A equidade racial na educação foi o debate central que permeou a 1ª Jornada da Uneafro Brasil em Brasília. Os mais de 150 estudantes e militantes dos núcleos de educação popular de São Paulo e Rio de Janeiro que participaram das atividades estiveram em um encontro importante com o Ministro da Educação, Camilo Santana, reivindicando o reconhecimento dos cursinhos populares como fundamentais para a justiça social e racial na educação e políticas públicas para esse trabalho, e participaram de audiências históricas sobre o tema da Frente Parlamentar Mista Antirracismo, no Congresso Nacional.
No dia 29 de junho de 2023, a audiência pública “Cotas Abrem Portas”, organizada pela deputada federal Dandara Tonantzin (PT/MG), na Câmara Federal, abriu espaço para a fala de especialistas em educação, líderes do movimento negro e do movimento estudantil sobre a importância das ações afirmativas para justiça social e a democracia no Brasil. Estudantes da Uneafro Brasil, da Rede Ubuntu e demais movimentos de juventude estavam na plenária assistindo aos depoimentos.
A pedagoga, primeira mulher negra reitora de uma universidade federal no Brasil e ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Nilma Lino Gomes, abriu a audiência. “Há uma juventude representada aqui e são vocês que têm feito com que as ações afirmativas ganhem a força política que elas precisam. Então, quero agradecer a juventude cotista, negra, quilombola, indígena, do campo, com deficiência e todas e todos aqueles que, mesmo não contemplados necessariamente na Lei 2.711/2012, já entenderam a radicalidade dessa legislação e têm inspirado e contribuído para que Dandara e sua equipe aperfeiçoem esse Projeto de Lei”.
Assumindo a relatoria do PL 5384/2020, no início de 2023, na Câmara Federal, projeto que quer tornar permanente as cotas raciais para as vagas nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, Dandara Tonantzin enfatiza a importância da presença de três gerações no evento. “Eu fiquei muito feliz porque pude ver o ‘ontem’, aqueles que vieram antes de nós e abriram muitos caminhos para estarmos aqui. O nosso presente, que está construindo em muitos espaços luta e ações afirmativas. E ainda uma geração de adolescentes negros que ainda vão ingressar no ensino superior”.
Estavam também presentes na mesa a coordenadora da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) do Ministério da Educação, Zara Figueiredo, o mestre em Gestão de Políticas Públicas de Educação, Carlos Abicalil, a Secretária de Políticas de Ações Afirmativas do Ministério da Igualdade Racial, Marcia Lima, o historiador e cofundador da Uneafro Brasil, Douglas Belchior, e mais diversos nomes.
“Não tenho nenhuma dúvida de que cotas abrem portas, mas, para conquistá-las, tivemos que arrombar muitas e é uma história hercúlea do movimento negro brasileiro, não posso perder a oportunidade de dizer isso na frente dos nossos estudantes de cursinho popular que estão aqui. E como diz nossa palavra de ordem que gritamos agora pouco – se a história não conta o que foi Palmares, nós vamos fazer Palmares de novo – a história a gente faz! Vocês estão aqui de frente para pessoas muito importantes que foram fundamentais para que a gente construísse nossa história nos cursinhos”, apontou Douglas.
Equidade racial na educação básica em audiência histórica no Senado
Representando a Frente Parlamentar Mista Antirracismo no Senado Federal, Paulo Paim (PT/RS) convidou movimentos negros e parlamentares para a audiência pública “Igualdade Racial na Educação Básica”, dia 30 de junho de 2023. No último dia da Jornada, a comitiva da Uneafro participou do evento que teve na mesa, entre nomes fundamentais para discutir o tema, a coordenadora da Diretoria de Políticas para Educação das Relações Étnico-Raciais e Quilombolas da SECADI-MEC e militante da Uneafro Brasil, Adriana Moreira.
“A educação básica se inicia na educação infantil, passa pelo o ensino fundamental e quem são os estudantes que conseguem concluir o ensino médio? Tem gente que para pelo caminho. E qual o lugar dos estudantes negros nesse processo? A chance de um menino negro pobre terminar a educação básica, sem reprovar, sem sair da escola e depois voltar, é de 0.2%. A chance de uma menina branca pobre fazer essa mesma trajetória é de 0.5%. Se isso acontece é porque o Estado brasileiro é omisso de diversas maneiras”, aponta.
Os dados trazidos por Adriana conversam com o levantamento feito pela ONG Todos Pela Educação, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, que apontou um atraso de 10 anos entre a matrícula e permanência de jovens brancos e negros no ensino médio. O recorte considera os anos entre 2012 e 2022, adolescentes de 15 a 17 anos que estão cursando ou já concluíram o ensino médio e os jovens de até 19 anos que já finalizaram essa fase.
Hoje, cerca de 70% dos jovens pretos e pardos estão no ensino médio. A mesma porcentagem de jovens brancos matriculados no ensino médio, só que em 2012. Em relação ao encerramento da etapa, 61% dos jovens pretos e 62,4% dos pardos de 19 anos a tinham concluído em 2022, porcentagem próxima a que brancos alcançaram em 2012: 62%.
A professora, pedagoga e coordenadora do Núcleo Uneafro Rosa Parks, Ledijane Alves da Silva, também compôs a mesa da audiência e reforçou que os problemas sócio-raciais hoje encontrados no ensino médio começaram muito antes. “Quando focamos no que precisa ser discutido para melhorar o ensino médio, vemos que está na educação infantil, no ensino fundamental. Aquele menino negro que evade da escola no ensino médio, na verdade, foi sendo expulso durante todos esses anos por culpa do racismo. Existem muitas formas de expulsarmos uma pessoa, de diminuirmos uma pessoa, e entre nossos estudantes negros isso se faz muito presente”.
Organizador do evento pela Frente Parlamentar Mista Antirracismo, o Senador Paulo Paim ficou entusiasmado com a juventude no evento que, entre outros temas, teve como objetivo discutir políticas de permanência e inclusão de jovens negros e indígenas nas universidades brasileiras. “Essa vinda de vocês aqui e vocês incorporando a verdadeira história da nossa gente só vai fazer com que a nossa geração – a nossa, a de vocês – a geração que eu vi aqui presente, ajude a construir um futuro melhor pra todos os nossos filhos, netos, bisnetos e para toda gente brasileira”, celebrou. Paim reforçou para os mais de 150 estudantes a importância do compromisso da juventude em seguir pela luta e cobrança por políticas públicas e pela democracia do conhecimento.
Texto Patricia Toni
Fotos Patrick Silva, Thiago Fernandes e Sofia Costa