Bancada Antirracista Dandara que concorre a vereança na cidade de Mauá

Em meio ao curto período de campanha e, muitas vezes, à falta de recursos, candidaturas da periferia surgem no cenário nacional para quebrar paradigmas e romper com a lógica individualista da política tradicional. Chell Oliveira nasceu e cresceu na periferia de Salto, interior de São Paulo. É artista e um dos fundadores do Coletivo Hip-Hop Pátria Nossah, que desenvolve ações sociais com arte, cidadania e educação. Ele, um dos 276 mil candidatos que se autodeclaram negros, segundo o TSE, o número de candidaturas negras supera a de candidatos brancos. Chell ainda observa dificuldades no debate racial mesmo dentro dos partidos de esquerda. “Assim como toda estrutura institucional é hegemonicamente branca, na política também temos esse reflexo. Existem poucas pessoas pretas – ou quase nenhuma,  ocupando cadeiras na política, e também na diligência dos partidos”. Para ele, uma parte do movimento progressista não está disposta a perder espaço para candidaturas engajadas nos movimentos antirracistas. 

A 150 km dali, Hosana Meira, de 41 anos, constrói a candidatura coletiva da ‘Bancada Antirracista Dandara, composta por ela e mais 4 pessoas na cidade de Mauá, na região metropolitana do estado de São Paulo. Hosana faz parte do coletivo Samba de Terreiro de Mauá, já foi conselheira da igualdade racial do município em 2016 e, atualmente, trabalha como Orientadora Social no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). Para ela, a cidade tem dificuldades de representatividade da população, “dos 23 vereadores que foram eleitos na cidade em 2016, nenhum é mulher”, ressalta ainda a problemática racial, “é mínima a quantidade de pessoas negras na política. Não porque não somos capacitados, mas devido ao racismo estrutural que impacta principalmente nós, mulheres negras”.

Hainra Asabi, Luana Caruso, Elly Bayó e Amanda Felipe fazem parte da chapa coletiva Quilombo Dandara de Santo André

Compartilhando dessa mesma opinião, Luana Caruzo, integrante da chapa coletiva Quilombo Dandara, em Santo André, reforça a desigualdade, principalmente, dentro da representação de mulheres negras na política “Nós, mulheres pretas, que sabemos a real necessidade do que precisa mudar, afinal, somos as menos favorecidas, a campanha é desigual”. Dados públicos disponíveis na ferramenta de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral mostram que dos 586 candidatos que receberam grandes repasses de verbas nos 11 maiores partidos, apenas 24% eram negros. Na eleição de 2016, quando analisamos as 26 capitais, comprovamos que das candidaturas brancas, 6,4% adentraram as Câmaras Legislativas Municipais, já os candidatos autodeclarados negros, apenas 3,2% conseguiram se eleger, ou seja, candidaturas brancas têm duas vezes mais chances de conquistarem vagas em câmaras de vereadores do que candidaturas negras.

Distribuição do fundo eleitoral

O movimento negro brasileiro conquistou importante vitória no enfrentamento ao racismo institucional dentro da política, ao provocar o TSE a analisar, a partir de consulta protocolada pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ), a situação injusta de candidaturas negras e sua baixa representação em cargos eletivos. Em decisão histórica, os Ministros do Tribunal Superior Eleitoral aprovaram a distribuição proporcional do Fundo de Financiamento Eleitoral (FEFC) e do tempo de propaganda de rádio e TV para 2022. Apesar de importante, a aprovação gerou controvérsia e mobilizou os movimentos negros a pressionarem para que a resolução tivesse validade já em 2020. O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski,  determinou enfim, que a reserva de recursos para candidaturas negras fosse aplicada para as eleições de 2020. A ação foi mobilizada pela Educafro e possibilitou a grande conquista desta que é uma demanda recorrente dos movimentos negros. Para dar visibilidade às candidaturas negras, a Coalizão Negra Por Direitos e a plataforma Change criaram um abaixo-assinado pedindo ao TSE que veicule campanhas publicitárias de incentivo ao voto em candidaturas de pessoas negras, como já é feito no estímulo ao voto feminino. Para Douglas Belchior, membro e um dos fundadores da Uneafro Brasil, o ano de 2020 foi marcado pela ampliação dos debates do movimento negro, “nesse ano, o único fenômeno que foi capaz de atravessar a pandemia foi o debate sobre o antirracismo no mundo”, referindo-se aos protestos contra a violência policial que se iniciaram nos EUA depois que George Floyd, um cidadão negro, foi asfixiado e morto por um policial branco em Mineápolis. Para Douglas, é gigante o simbolismo das eleições acontecerem no mês em que é comemorada a consciência negra e no ano em que mais se debateu antirracismo. “O povo negro foi, por muito tempo, proibido de votar, depois de se candidatar. Hoje, temos candidaturas negras, mas nós não alcançamos ainda o direito a sermos eleitos e ocupar os espaços de poder”, e conclui dizendo: “Para essa realidade mudar, não basta apenas votar em pessoas negras, é necessário o voto em candidaturas negras comprometidas com a agenda do movimento negro!”.

Por: Caio Chagas / Uneafro Brasil

Pular para o conteúdo