A Uneafro Brasil realizou em sua sede, no dia 15 de abril, o lançamento do relatório “A situação das pessoas negras com deficiência no Brasil”, produzido pelo movimento Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI Brasil), em parceria com a University of York (Universidade de Iorque) e apoio da ONG internacional Minority Rights Group International (MRG). 

O lançamento contou com a participação de pesquisadores e representantes da luta anticapacitista e antirracista, apresentando o relatório sob a perspectiva de duas temáticas centrais: O movimento negro e o movimento de pessoas com deficiência, traçando um caminho possível por um futuro antirracista e anticapacitista, e Como tratar abordagem interseccional dentro do processo de pesquisa e coleta de dados? 

Esse debate você pode assistir diretamente no LINK da TV UNEAFRO

Segundo Thiago Fernandes, homem negro, PCD e coordenador da TV Uneafro, o relatório contribuiu para uma mobilização imediata do movimento negro em resposta ao assassinato de Genivaldo de Jesus dos Santos, um homem negro, neurodivergente, que foi torturado e morto pela Polícia Rodoviária Federal em Umbaúba, Sergipe, utilizando uma câmara de gás improvisada. 

“No dia seguinte, organizamos um ato em frente à Polícia Federal, aqui em São Paulo e, depois, marcamos um segundo ato com outro movimento na Paulista, no qual saiu a foto, que é a capa do relatório. A gente teve essa imagem estampada no começo deste relatório, mas, no próximo, queremos estar e tratar como algo que a gente conseguiu efetivar de políticas públicas para a população negra PCD”, comenta Thiago Fernandes.

Antes do lançamento ao público, o relatório foi apresentado na reunião do Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD), em novembro de 2022. A pesquisa se baseia em dados censitários e conclui que a população negra com deficiência é o grupo mais acometido nas taxas mais altas de violência e desemprego, acesso restrito à educação, saúde mais precária, menos oportunidades econômicas e marginalização da participação social e política. 

Luciana Viegas é uma mulher negra, autista, educadora popular, pedagoga, ativista pelos Direitos Humanos e idealizadora do VNDI. Como educadora e militante, Luciana fala da importância da parceria entre os movimentos. “A Uneafro ter aberto as portas da sede, mobilizado as pessoas que fazem parte da educação popular, que lutam pela educação para não só prestigiar, mas ouvir atento às demandas do movimento Vidas Negras com Deficiência Importam é muito importante pra gente porque é uma sinalização de que a luta não se faz só, ela se faz em coletivo e junto com quem luta desde sempre pelos direitos das pessoas negras”, afirma Luciana. 

O encontro entre Uneafro e VNDI fomenta a importância de se debater a educação popular dentro do debate da educação inclusiva. Luciana relata em entrevista que a educação popular é discutida de forma apartada da educação inclusiva, o que dificulta ainda mais o acesso de pessoas com deficiência aos mecanismos de acesso à educação, sendo que, segundo a pedagoga, a educação inclusiva ainda é tratada como “educação especial” nos dias de hoje. “A educação inclusiva traz não só a ferramenta, mas também a teoria e o argumento de como a educação serve a todas as pessoas, não só pessoas em extrema vulnerabilidade, mas também as pessoas com deficiência e de como isso faz parte do processo histórico político do Brasil e de como a gente pensa a educação no país”, elucida. 

Para a Uneafro, a parceria inédita com o Vidas Negras com Deficiência Importam é um marco histórico que traz a dimensão e o tamanho da responsabilidade em sensibilizar e acessibilizar os conteúdos educativos, as plataformas de comunicação e criar formas de adaptar os espaços de difusão de conhecimento para que eles se tornem cada vez mais acessíveis e democráticos a todos os grupos. 

“O saber popular é muito forte dentro da educação popular. Não só a Uneafro, mas os movimentos que debatem a educação popular precisam desenvolver práticas inclusivas que possibilitem às pessoas entender que a educação não se dá só no meio formal a partir de uma normatividade imposta, mas de uma série de outras coisas que são importantes dentro do processo de se entender as construções políticas e de como se entende o processo educativo”, explica a Luciana. 

A idealizadora do VNDI também pontua sobre a necessidade de uma mudança no entendimento de que a inclusão de pessoas com deficiência nos espaços dependem única e exclusivamente de ferramentas de inclusão. Para Luciana, as ferramentas são necessárias, mas é preciso uma mudança na abordagem. “A gente também precisa começar a desvincular essa ideia de que a educação inclusiva parte apenas da metodologia. Então, se tem libras, braile, se tem ferramentas que garantam a inclusão, a educação está sendo inclusiva, quando não, é para além das ferramentas. É preciso entender a educação inclusiva como uma parte do processo de ensino, como uma mudança de postura, uma mudança de dinâmica da construção do saber coletivo”, pontua a educadora.

O relatório também aborda as intersecções de gênero e raça na luta pela inclusão das pessoas com deficiência, mostrando que pessoas negras com deficiência estão mais vulneráveis às discriminações raciais e de gênero, assim como diversas outras violações de Direitos Humanos. “Entender esse debate é entender que a população mais atingida pela falta de acesso a políticas e direitos das pessoas com deficiência é a população negra, é a população periférica com deficiência, são as mulheres que estão alijadas do seu direito. Estão excluídas, marginalizadas e não acessam o direito, mesmo tendo aquilo proposto”, expõe a ativista. 

Analisando o relatório, é possível perceber que pessoas brancas com deficiência têm mais facilidade para acessar seus direitos, ainda que não seja na sua totalidade. “É importante deixar frisado que as pessoas brancas têm menos barreiras no enfrentamento para a garantia de direitos das pessoas com deficiência e para as pessoas negras com deficiência fica a violência, a violação de direitos humanos e os espaços excluídos que nos marginalizam ainda mais”, pontua Viegas.

Texto: Mayara Nunes | Foto: Fael Miranda

 

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