Embora a democracia de seu país tenha sobrevivido ao recente ataque ao Congresso Nacional, os esforços do presidente recém-reeleito para cumprir suas promessas provavelmente enfrentarão forte resistência.

Por Andrew Pasquier

SÃO PAULO – “Sem Anistia!”. O curto refrão “sem anistia”, reverberou pela Avenida Paulista na última segunda-feira, quando centenas de milhares de brasileiros foram às ruas aqui e em todo o país em uma rejeição emocional ao ataque inspirado por Jair Bolsonaro às instituições democráticas do país no dia anterior em Brasília. A frase simples – entoada, pintada em cartazes e projetada nas imponentes fachadas da célebre avenida modernista – representava tanto uma demanda imediata por responsabilidade quanto um grito de guerra potencialmente fugaz por unidade em uma nação politicamente fraturada.

Embora a invasão ao Congresso Nacional em 8 de janeiro possa ser vista como o fim trágico de quatro anos de liderança antidemocrática de Bolsonaro, ela também apresenta ao recém-reeleito presidente do país, Luiz Inácio Lula da Silva, uma oportunidade inesperada de governar com um mandato de consenso após sua vitória acirrada de retorno. As pesquisas sugerem que mais de 90% dos brasileiros condenam os ataques de domingo passado, e quase dois terços apoiam a resposta do governo Lula – números significativamente mais altos do que a estreita maioria de 50,9% que o próprio Lula recebeu no segundo turno de outubro. Apesar da sólida reputação internacional de Lula pela redução da pobreza e liderança diplomática durante seu primeiro mandato, uma profunda desconfiança de seu Partido dos Trabalhadores (PT) continua depois de escândalos de corrupção prejudiciais – uma realidade, muitas vezes, subestimada na cobertura internacional que coloca Lula contra Bolsonaro em um binário político.

No entanto, a raiva contra os golpistas parecia se misturar com uma esperança renovada pela democracia brasileira entre a multidão diversificada nas ruas de São Paulo na semana passada. “Larguei tudo o que tinha que fazer hoje para vir aqui e mostrar que o Brasil não defende o fascismo”, explicou João, um estudante de filosofia de 23 anos. “Estamos aqui não apenas por Lula, mas pela democracia como um todo”. Apesar de a manifestação ser convocada por várias organizações de esquerda – incluindo Brasil Popular, Povo Sem Medo e Coalizão Negra Por Direitos – em meio à multidão, com seus megafones e bandeiras de foice e martelo, alguns eleitores da direita também estavam presentes. “Estou aqui porque a democracia precisa prevalecer. Não podemos apoiar nenhum ato antidemocrático, nenhum ato criminoso”, explicou Renata Arruda. Embora ela geralmente vote pra direita e “nunca tenha apoiado o PT”, a mulher de 52 anos insistiu: “Estou aqui para apoiar o Estado de Direito”.

À sombra do Museu de Arte de São Paulo, a obra-prima arquitetônica de Lina Bo Bardi, um carro alegórico envolto em insígnias do movimento e uma faixa proclamando: “Somos Pela Democracia” apresentavam discursos de parlamentares e de líderes de sindicatos de esquerda. A certa altura, um líder de uma frente antirracista chamada Uneafro declarou: “Já derrotamos o Bolsonaro nas urnas e agora vamos derrotar o bolsonarismo nas ruas”, sob forte aplauso. Infelizmente, essa afirmação obscurece o verdadeiro equilíbrio de poder. O Partido Liberal de Bolsonaro emergiu da eleição parlamentar de 2 de outubro com a maior parcela de assentos nas câmaras. De fato, a nova composição do legislativo brasileiro é em sua maioria de direita desde o fim da ditadura na década de 1980.

Em São Paulo, o Ministro da Infraestrutura de Bolsonaro, Tarcísio Gomes de Freitas, venceu em um árduo segundo turno para governador contra Fernando Haddad, candidato presidencial derrotado pelo PT em 2018 que foi recentemente nomeado Ministro das Finanças de Lula. A vitória de Tarcísio marca a primeira vez desde 1994 que o importante estado não é controlado pelo PSDB, o tradicional partido líder de centro-direita, e exemplifica o apelo duradouro do movimento Bolsonaro, apesar de sua derrota.

Até agora, a invasão exagerada ao Congresso Nacional em Brasília por golpistas (líderes golpistas) que apoiam Bolsonaro foi duramente condenada por líderes de todo o espectro político, incluindo Tarcísio. No dia dos ataques, o novo governador postou em sua conta no Twitter: “Para que o Brasil possa caminhar, o debate deve ser o de ideias e a oposição deve ser responsável, apontando direções. Manifestações perdem a legitimidade e a razão a partir do momento em que há violência, depredação ou cerceamento de direitos. Não admitiremos isso em SP!”.
Até o próprio Bolsonaro permaneceu calado sobre os eventos enquanto se hospedava na Flórida, recebendo cuidados médicos de maneira ostensiva enquanto evitava uma ação legal no Brasil.

Diante dos acontecimentos da semana passada, é fundamental analisar como o bolsonarismo é diferente de Bolsonaro. Assim como com Donald Trump, a política ao estilo de Bolsonaro está prestes a sobreviver ao seu homônimo. No entanto, no sistema político fragmentado do Brasil – que inclui 23 partidos na atual legislatura – o agora desacreditado ex-líder necessita de um aparato partidário poderoso para permitir que ele, como o Partido Republicano permitiu a Trump, desempenhe um papel central em sua pós-presidência. Embora Mitch McConnell tenha se levantado no plenário do Senado para denunciar Trump após os ataques de 6 de janeiro, ele e a grande maioria de seus colegas se recusaram a fazer o impeachment de Trump no mês seguinte.

No Brasil, ainda não se sabe se os gritos de “Sem anistia” nas ruas serão ouvidos nos corredores do poder nos próximos meses. A justiça está sendo feita rapidamente para os golpistas atuais, já que o governo Lula agiu rigorosamente para prender as mais de 1000 pessoas ligadas ao ataque, enquanto a Procuradoria-Geral e o Supremo Tribunal processam empresas e políticos que apoiavam os invasores. O sucesso dessas investigações em andamento é uma das principais causas de apreensão entre os oponentes de Bolsonaro. Enrique, um professor auxiliar de 21 anos, segurava uma placa na manifestação perguntando: “Quem está financiando o terrorismo em Brasília?”. Ele me disse que sua placa “é uma mensagem direta aos apoiadores de Bolsonaro sobre o que eles fizeram ontem. Estamos perguntando a eles: quem pagou para vocês acamparem fora dos quartéis do exército por semanas? Eles estavam recebendo dinheiro, comida, eletricidade”.

Embora a suspeita sobre o apoio oculto aos golpistas pelos militares permaneça alta, a narrativa em torno da invasão ao Congresso Nacional jogou tanto a favor de Lula que as teorias da “falsa bandeira” agora abundam na extrema direita. No momento, porém, o apoio político para a ação combina com a energia nas ruas. O Senado e a Câmara dos Deputados, dominados pela direita, ratificaram com robustas maiorias o decreto presidencial emergencial de Lula, ampliando a segurança federal e os poderes investigativos. Embora esse tipo de consenso provavelmente desapareça, caberá a Lula saber explorar o momento, uma vez que, apesar das manchetes internacionais, ele enfrenta enormes ventos políticos contrários para implementar sua agenda progressista.

Luis Gustavo, um organizador de mídia social de São Paulo para a recente campanha de Lula, enfatizou em uma entrevista que esses desafios estão relacionados à desconfiança contínua do PT. Durante a campanha, muitos eleitores mencionaram “a corrupção e o golpe de 2016 contra Dilma” (ou seja, seu impeachment) como uma razão para apoiar Bolsonaro. “Embora Lula tenha sido claramente o candidato favorito desde o início quando comparado a Bolsonaro, convencer os eleitores sobre Lula e sua agenda foi mais difícil”. O fato de Lula ter disputado uma chapa de união com Geraldo Alckmin – um político de centro-direita que foi o principal candidato da oposição a Lula nas eleições presidenciais de 2006 – e ainda assim ter vencido por menos de dois pontos percentuais, revela profundas reservas de muitos eleitores que podem não apoiar Bolsonaro publicamente, mas que ainda o apoiaram nas urnas.

Esses eleitores apoiam o “fascismo”? Após os acontecimentos de 8 de janeiro, esse cenário, favorecido pela esquerda, parece ganhar adeptos. Na manifestação da semana passada e na mídia brasileira, a dicotomia entre “democracia” e “fascismo” está em destaque. Infelizmente, embora o próprio Bolsonaro tenha sido amplamente desacreditado, seu tipo de política divisiva de direita teve um desempenho muito bom nas pesquisas. “Sem Anistia” pode ser um coro unificador – por enquanto. Mas a adoção de novas políticas progressistas no Brasil que continuam o legado das conquistas anteriores de Lula exigirá mais organização e liderança hábil. Ainda assim, o desastre da semana passada oferece a Lula um novo mandato para começar.

Andrew Pasquier é um escritor freelancer e pesquisador interessado em política, cultura e design. Atualmente, ele está cursando um mestrado conjunto Erasmus Mundus em jornalismo e estudos de mídia na Universidade de Amsterdã.

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