Estamos em ano de eleições para Conselhos Tutelares em todo o Brasil, e diante desse momento tão importante para  toda a população – principalmente a periférica – é necessário unir forças e aglutinar os movimentos sociais para combater os setores conservadores e da extrema direita nesse processo, e com foco e centralidade, defender o ECA, combater a criminalização da pobreza, o racismo e demais opressões que afetam a dimensão social da vida das infâncias, adolescências e as famílias periféricas.

A sociedade brasileira já assumiu o compromisso da defesa intransigente da infância, expresso no artigo 227 da Constituição Federal e na Lei 8,069 de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que mesmo sem alcançar o êxito necessário é uma referência em legislação cidadã e exemplo para o mundo. A urgência agora é  assumir o compromisso do exercício da equidade racial, para a defesa sistemática da infância negra em nosso país.

Os dados a seguir deflagram a incapacidade do Estado e da Sociedade Brasileira para resolverem o problema da desigualdade social e econômica  na garantia dos direitos da infância e adolescência, em especial de crianças e adolescentes negras e negros. De acordo com dados de 2013, divulgados pela própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de 93% das crianças e dos adolescentes envolvidos em trabalho doméstico no Brasil são meninas negras.

No ano 2014 o trabalho infantil doméstico afetava 257 mil crianças e adolescentes. Destas, mais de 90% eram meninas  e  70% negras. No trabalho nas ruas,  80% das crianças e adolescentes são meninos negros.(Nota da Coalizão Negra Por Direitos no DIa Mundial de Combate ao Trabalho infantil, 2021)

As mortes por diarreia são 72% mais frequentes entre as crianças negras em relação às brancas. No caso das indígenas, a diferença é ainda mais gritante: 1.300% (Portal JN, 2022)

Além do trabalho infantil, a violência é outro pilar que sustenta as desigualdades raciais na educação. Apontamentos do IPEA de 2013 dão conta de que a chance de um adolescente negro ser assassinado é 3,7 vezes maior em comparação aos brancos. (Portal Geledés)

Dados dos sistemas de notificação de violência do Ministério da Saúde, apontam que crianças e adolescentes negras de até 14 anos morrem 3,6 vezes mais por conta da violência armada do que as não negras. Entre crianças negras de até 14 anos vítimas de morte violenta, 61% foram assassinadas com armas de fogo. No caso de crianças brancas, esse percentual é de 31%. De 2012 a 2019, 3.288 crianças (de até 14 anos) e 148.241 jovens (de 15 a 29 anos) negros foram vítimas de agressões letais por arma de fogo —número cinco vezes maior que o total de civis mortos nos conflitos no Afeganistão (27.179) no mesmo período, segundo a ONU. (Portal Folha de São Paulo, 2021)

Somam-se a esse contexto as especificidades relacionadas ao gênero, orientação sexual, outras origens étnicas ou regionais e das pessoas com deficiência. 

Em um momento de grande investida dos setores progressistas para a reconstrução do país, é imprescindível garantir esforços na pesquisa,  na elaboração, na criação de métodos e mecanismos que garantam a efetividade do Sistema de Garantia de Direitos,  com as condições necessárias para combater as expressões do racismo sofridas na infância e adolescência. 

Convocamos toda a sociedade brasileira a fazer justiça e dar esse importante passo na consolidação dos direitos da infância e adolescência garantindo candidaturas antirracistas para os Conselhos Tutelares. A universalização dos direitos da criança e do adolescente  é tão urgente quanto a efetivação da equidade racial. Defendemos o conselho tutelar como órgão colegiado e comprometido com as atribuições e competências previstas na lei e que atendam nossas infâncias periféricas com prioridade absoluta, e que fortaleça iniciativas para consolidação do sistema de garantia de direitos, bem como, na contribuição do poder executivo local no desenvolvimento de políticas públicas excepcionais nos territórios e periferias de todo país.

Por isso é necessário construir, incentivar e fortalecer candidaturas populares e do movimento negro, do movimento da infância, dos Fóruns Regionais de Direitos da criança e do adolescente e demais setores progressistas do país para os Conselhos Tutelares. Afinal, enquanto houver racismo na infância, não haverá garantia de direitos, e por consequência, não haverá democracia.

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