Por Douglas Belchior
Quinta feira, 30 de Setembro de 2021
Laroye!
Informo às amigas e aos amigos de luta e de vida que acompanham a caminhada desses anos todos a minha desfiliação do PSOL – Partido Socialismo e Liberdade. Nos últimos 16 anos, busquei contribuir com o que pude. Que se abram os caminhos!
Acompanho o Psol desde que era ainda uma ideia. Me dediquei à coleta de assinaturas para o registro do partido entre 2003 e 2005. Filiado ao núcleo da PUC-SP, onde cursei História, vivi intensamente a campanha de Heloísa Helena para presidente em 2006. Em 2010, com o velho Plínio de Arruda Sampaio à frente, acompanhei de perto nosso candidato a vice-presidente, militante do movimento negro baiano, Hamilton Assis. Em 2012, fui candidato a vereador em Poá-SP, sendo o mais votado, mas que, sem coeficiente eleitoral, não acessamos a cadeira. Em 2014, fui candidato a deputado federal, sendo o terceiro mais votado da lista. Em 2016, fui candidato a vereador da capital de SP, novamente ficando na suplência.
Em 2018, candidato mais uma vez a deputado federal, alcançamos quase 50 mil votos, mesmo sem apoio do partido. Figuramos entre os eleitos, mas perdemos a vaga ao final da apuração. Em 2020, optamos por fortalecer novas lideranças do movimento negro e elegemos, com muito custo e mais uma vez apesar do Psol, Elaine Mineiro co-vereadora da capital paulista, em uma candidatura coletiva – o Quilombo Periférico, ao lado de Débora Dias, Julio Cesar, Samara Sosthenes, Erick Ovelha e Alex Barcellos, todas lideranças de movimentos de base das periferias de SP.
Minha atuação sempre foi dirigida pelo movimento negro e periférico, em especial pela Uneafro Brasil, que ajudei a fundar, e por diversos coletivos que constroem a luta cotidiana nas periferias do Estado de São Paulo há mais de 20 anos. Nos últimos três anos me dediquei à construção da Coalizão Negra por Direitos, aliança nacional de movimentos negros que tem uma agenda política sintetizada em sua carta programa. Sempre acreditei em partido-movimento. Sempre defendi que o partido faça parte da vida ordinária, cotidiana das pessoas. Sempre critiquei partidos-mandatos, partidos-correntes, partidos de vida eleitoral apenas. Me dediquei a essa forma de atuação e todas as candidaturas que vivi foram expressão do trabalho dos movimentos que ajudo a construir. E sempre lamentei o fato de o Psol não reconhecer essa nossa atuação em São Paulo.
Os resultados do 7º Congresso Nacional do partido, realizado neste último final de semana, confirmam que, embora o discurso carregue elementos de mudanças, a estrutura não muda, a direção é a mesma, a mesma lógica de partilha interna de poder, a mesma cara, a mesma tez.
Nestes 16 anos a sociedade como um todo sofreu importantes mudanças na forma de fazer política e de tratar o tema do racismo. Em todos esses anos de vínculo travei debates internos e públicos sobre o papel do partido frente ao desafio do enfrentamento ao racismo como elemento fundamental do momento histórico que vivemos. Bem como da necessidade de o partido se abrir às demandas organizativas dos movimentos de periferia e do movimento negro. Infelizmente o partido jovem e depositário da confiança de uma base social também jovem e sedenta de novas experiências, sempre foi preso à velha lógica das correntes internas, proprietárias reais da máquina partidária, hegemonizadas pelo pensamento e pela forma branco-eurocêntrica da esquerda tradicional de se fazer política.
Este 7º. Congresso também evidencia dificuldade em lidar com experiências que não aquelas acorrentadas à dinâmica das tendências internas, explicitado na necessidade de regulação (controle e limitação) de candidaturas coletivas, na proibição de candidaturas apoiadas por iniciativas da sociedade civil e na limitação da possibilidade de busca de recursos fora dos “padrões partidários”. E avança pouco na produção de mecanismos de efetivação do fortalecimento de lideranças negras organicamente ligadas aos movimentos negros. Quanto à conjuntura, acredito e defendo a necessidade de fortalecer desde já a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva como contraponto a Bolsonaro. Titubear à esta altura é um erro. Mais um tema tergiversado neste Congresso.
É evidente que pesa também na decisão pela saída do partido, toda a violência política, a prática do boicote, do apagamento, do silenciamento, da desqualificação e do racismo institucional que sofri nesses anos de embate, sobretudo quando passei a questionar, a partir de 2016, em documentos e diálogos internos, até chegar à esfera pública em 2018, a conduta racista das direções de São Paulo, de correntes internas e da direção nacional do Psol. Foram justas as disputas que travei e sinto que surtiram algum efeito, constrangeram posturas e abriram caminhos para avanços que, quero crer, um dia virão.
Meu afastamento das instâncias internas do partido se deve à óbvia conclusão de que a única possibilidade de a agenda negra incidir e produzir efeitos sobre a dinâmica social é o fortalecimento das experiências organizativas do Movimento Negro e, sobretudo, da imposição do Movimento Negro como instância legítima e indispensável para a formulação de um projeto de país que nos leve a superar a desgraça em que estamos mergulhados. O sucesso por essa opção é evidente. O Movimento Negro se fortalece a cada dia e hoje qualquer formulação, iniciativa ou atuação política que se queira honestamente comprometida com o povo brasileiro, deve por obrigação observar, respeitar e considerar a elaboração e o acúmulo histórico da resistência negra organizada. É só o começo.
Sou entusiasta do trabalho de tantos e tantas militantes do Psol, que tem tensionado a branquitude que hegemoniza direta ou indiretamente as direções partidárias, bem como do compromisso com a construção do movimento negro para além dos muros partidários. Registro meu respeito a essas lideranças e reconheço a importância de diversos mandatos legislativos, alguns deles comprometidos com a agenda do movimento negro.
Temos um governo racista e genocida para derrotar e um país para construir. Precisamos estar fortes para enfrentar os horrores do fascismo que nos atormenta. Para isso, é preciso construir a unidade possível, nos marcos da defesa dos direitos humanos, cuja missão seja o fortalecimento de agendas fundamentais em nossos dias, a saber: a defesa da vida de pessoas negras, mulheres, quilombolas e indígenas, comunidade LGBTQIA+, atenção às questões climáticas, enfrentamento à fome e as violências do Estado. Comprometidos desde sempre com esta agenda, construímos muito até aqui. E daqui pra frente, faremos muito mais! Saudações aos que têm coragem!
Okê arô!