Julho tem muita importância na agenda do movimento negro principalmente por causa do dia 25, Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha. Nesta data, é homenageada a “Rainha Tereza”, como era conhecida Tereza de Benguela, líder do Quilombo de Quariterê. O quilombo era localizado no Mato Grosso e que esteve em atividade em meados do século XVIII. Em São Paulo, a Marcha de Mulheres Negras reuniu neste ano mais de 20 atividades realizadas por diferentes organizações e coletivos. O objetivo foi promover o debate e reivindicar os direitos das mulheres negras, as que mais enfrentam o aumento da violência e as mais prejudicadas pela retirada de direitos do atual cenário político.
A violência contra a mulher negra
O Atlas da Violência, publicação anual do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica aplicada, revelou um aumento de feminicídio no Brasil nos últimos dez anos, com crescimento de 30,7%. Enquanto entre não negras o crescimento é de 1,7%, entre mulheres negras é de 60,5%, mostrando o recorte racial dentro da questão de gênero. A Uneafro reuniu e comentou os principais dados da pesquisa relacionados à negritude, juventude e gênero no seguinte texto.
Programação especial
A partir da agenda do mês, a Uneafro realizou e participou de eventos e debates em São Paulo, Poá e Guarulhos.
Sarau Blackout – edição #JulhoDasPretas2019
Como parte da programação oficial da Marcha de Mulheres Negras de São Paulo, o evento iniciou as atividades dedicadas à temática da Uneafro. Esta foi a terceira edição do Sarau Blackout, que acontece no Núcleo XI de agosto, em Poá – SP. O eventou contou com a participação de aproximadamente 60 pessoas, grande parte delas moradoras da região. Com uma programação dominada por mulheres pretas, o evento contou com apresentações de poesia e música que abordavam as temáticas de suas vivências, adversidades, amores e outros sentimentos.
Para Joellen Lima, jovem e articuladora do núcleo, o sarau é um encontro onde a juventude das periferias podem se sentir respeitada e valorizada: “Acreditamos que esta Edição do Sarau Blackout no Julho das Pretas reforçou para as pessoas da nossa quebrada a importância de ter espaços de acolhimento e escuta das mulheres pretas, com o microfone e braços abertos”, conta. Outro ponto importante é que eventos como este reforçam a consciência de classe, gênero e raça, despertando no jovem a convicção de que é necessário lutar por uma sociedade sem desigualdades, como Joellen afirma: ” Nossas conquistas só serão alcançadas quando for em prol do coletivo e de forma permanente”.
Circuladô de Oyá – As pretas da Uneafro
O Circuladô de Oyá fez uma roda de conversa no dia 23 na Livraria Tapera Taperá, localizada no centro de São Paulo, com Mayra Ribeiro e Dessa Brandão. O bate papo colocou em evidência várias questões que diariamente afetam a mulher, como por exemplo: a construção da autoestima e identidade da mulher negra em uma sociedade racista e machista. “Esse projeto tem um importante papel na vida das estudantes do cursinho, pois é um espaço seguro e de acolhimento. Essas trocas têm a capacidade de mobilizar a juventude, criando novas lideranças e partilhando vivências”, conta Joellen Lima, jovem negra que é uma das articuladoras do núcleo XI de Agosto, em Poá-SP. Além da dimensão de troca, o encontro também serviu para mobilizar e incentivar que mulheres negras ocupem posições de tomada de decisão e articulação que garantam direitos e ampliações das conquistas do movimento negro: “Isso significa pensar mulheres negras em espaços de decisões estratégicas, seja na política, no judiciário e na produção de novas tecnologias para um mundo com igualdade”, afirma Joellen.
Marcha de Mulheres Negras
No Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, 25 de julho, a Marcha de Mulheres Negras de São Paulo realizou um ato no centro de São Paulo para lutar contra a violência e aos ataques promovidos pelo Estado aos direitos humanos, como o Pacote Anticrime do ministro Sérgio Moro e a reforma da Previdência. “Somos as que mais sofrem também com a violência policial. As mais negligenciadas no acesso à saúde, as com escolaridade mais baixa. E, por conseguinte, as que estão ocupando principalmente os subempregos. Fora o fato de que toda a nossa autoestima foi completamente dilacerada por não pertencer a um padrão estético imposto pela branquitude, algo que nos assombra desde da infância e se arrasta até a vida adulta”, conta Débora Dias, militante da Uneafro. Sobre a Marcha, Débora compartilhou suas experiências em um artigo, que pode ser conferido neste link.
A TV Uneafro realizou a cobertura do evento, confira no vídeo abaixo.
Mulheres negras movendo as estruturas: Diálogos com Black Lives Matter
No dia 27 de julho, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT e o Sesc Santana, em parceria com a Uneafro, promoveram o debate com Opal Tometi, ativista de direitos humanos e co-fundadora do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Com a mediação de Neon Cunha (Marcha das Mulheres Negras de São Paulo) e a participação de Angela Mendes (Articulação Nacional de Negras Jovens Feministas), o debate abordou o impacto da violência de Estado nas vidas das populações negras, além do atual cenário político-econômico-social.
Para Joellen Lima, articuladora do Núcleo XI de Agosto, esse momento mostra a conexão das trajetórias dos negros: “Foi uma troca muito rica entre a convidada e o público presente. Vários pontos da conversa chamaram a atenção pela similaridade das realidades, tanto norte-americana quanto brasileira no que se diz respeito a violência policial, um governo autoritário e casos explícitos de racismo. A diáspora espalhou pelo mundo o povo negro e, com este encontro, conseguimos perceber a construção de incontáveis histórias inspiradoras de vida e de luta”, conta.
Debate “A mulher negra no movimento: trajetória de luta e resistência”
Também no dia 27, o Núcleo Jurema, que fica em Guarulhos – SP, promoveu um debate com os estudantes sobre a temática de gênero e raça. O debate também abrangeu também o recorte da intolerância religiosa. “Dentro de uma sociedade embranquecedora, muitos jovens têm que assumir sua negritude e sua condição social. Por isso, é essencial estimular este reconhecimento.”, conta Maurcio D Melo, articulador do núcleo.
Participaram do debate: Veruschka de Sales Azevedo, a professora mestre em História e militante feminista; Fabiana de Abreu Machado, também professora de História e ativista negra; Inaiá Araújo, arte-educadora, pesquisadora de ritmos africanos e regente do bloco de xequeres do Coletivo de Oyá – Mulheres Negras da Periferia de SP e Mãe Cláudia de Oyá, graduanda em psicologia, babalorixá da região e fez parte da equipe de assuntos étnico-raciais de Guarulhos – SP.
As mulheres trouxeram neste debate um contexto histórico da luta da mulher negra, da luta feminista e do avanço do conservadorismo nas periferias, que impacta diretamente a liberdade religiosa e causa a perseguição de religiões de matrizes africanas. “Este debate visa o resgate da nossa ancestralidade. O não reconhecimento da cor preta da pele é um problema estrutural que nós vivemos por conta desta sociedade racista, fascista, misógina e sem oportunidades”, afirma Maurício.