NÚMERO 27 | MARÇO/ABRIL DE 2022
RELATÓRIO IPCC, JUSTIÇA CLIMÁTICA E RACISMO: O QUE TEM A VER?
Dados do relatório mostram que comunidades tradicionais, pessoas negras e pobres serão, sem dúvida, as mais impactadas pelas mudanças do clima
Mayara Nunes
Foto: APP/Bahia
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (na sigla em inglês IPCC) estima que, até o ano de 2050, o mundo contará com cerca de 200 milhões de refugiados climáticos, pessoas que serão obrigadas a abandonar temporária ou definitivamente a zona tradicional onde vivem, devido ao visível declínio ambiental.
O relatório exprime em dados quais serão os continentes mais afetados, quantifica as pessoas que precisarão de asilo em outros países e o que isso pode representar em relação à desigualdade, vulnerabilidade e exploração, porém, não é velado que desde sempre há um recorte racial e de gênero quando a pauta é injustiça, seja qual for sua natureza.
O capitalismo fundado sob a lógica da exploração do patriarcado e do colonialismo, com determinações culturais e religiosas, como a divisão sexual do trabalho, a tradição e a reprodução de valores pautados na segregação racial, tem reverberado historicamente com implicações econômicas e geográficas na vida de comunidades tradicionais, pessoas negras e pobres mundo afora.
Em se tratando de justiça climática, alterações e consequências na vida da população, o cenário não poderia ser outro. O relatório aponta que a região mais afetada do globo deverá ser a África Subsaariana, concentrando quase 40% dos migrantes climáticos das próximas três décadas, com cerca de 86 milhões de pessoas e que os índices para América Latina são preocupantes, classificada como área de alerta de onde deverão sair 17 milhões de migrantes climáticos, mais de 7% do total.
Para Karina Penha, bióloga, ambientalista e Coordenadora de Mobilização do Nossas, é necessário tratar a justiça climática por um viés interseccional. “A gente observa quais são as regiões do mundo em que há essa migração maior de pessoas por conta das questões ambientais, quem são as pessoas que são consideradas refugiadas, uma vez que elas precisam sair, que perdem o território, a fonte de renda por conta dessas questões, seja pelas alterações no tempo ou pelo uso indevido da terra. Quando observamos os dados dessas pessoas, começamos a perceber que retornam as questões relacionadas a outros tipos de desigualdades, que são os países que são chamados de Sul Global, países em desenvolvimento ou países pobres que, além de tudo que sofrem, precisam lidar com a questão climática de uma forma desigual”, explica a ambientalista.
É nítido que a justiça climática depende substancialmente de uma justiça racial. Na lógica da exploração geopolítica, quem paga a conta são os países explorados pelo colonialismo e neocolonialismo. Quem serve como depósito de lixo tecnológico? Quem alimenta o mundo inteiro? Quem é explorado pela monocultura? Quem tem rios e florestas dizimadas pelo agronegócio? Karina menciona que abordar a interseccionalidade é trazer a pauta da justiça climática, e que justiça é evitar que pessoas que já são atingidas por outras desigualdades sejam ainda mais atingidas pelas questões do clima. “Quando olhamos para as pessoas mais vulneráveis às questões climáticas, são aquelas que vivem em regiões periféricas, que vivem em regiões de comunidades tradicionais e que são as que menos cooperam para a degradação do clima, que menos emitem gases poluentes, que fazem um trabalho que geralmente não degrada o ambiente, mas são essas pessoas que, de fato, são impactadas. É preciso entender que essas mudanças vão atingir pessoas que já estão sendo atingidas por outras desigualdades, a mudança climática vai se tornar uma desigualdade a mais, uma barreira a mais na vida daqueles que já vivem tendo que enfrentar outras questões”, pontua.
Há um ano, o assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins, fazia o gesto de “OK” com as mãos, mas com três dedos retos, em forma de W, atrás do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em uma cena exibida pela TV Senado em março de 2021. O gesto é classificado por órgãos internacionais de combate ao antissemitismo como forma de identificação entre supremacistas brancos. Em 2020, o ex-secretário especial de Cultura, Roberto Alvim, copiou uma citação do ministro de propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels, em um discurso para as redes sociais, para divulgar o Prêmio Nacional das Artes. No mesmo ano, em uma live, o próprio presidente Jair Bolsonaro e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, aparecem bebendo um copo de leite puro, o que, para pesquisadores, remeteu a uma prática de grupos neonazistas dos Estados Unidos.
Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o discurso de ódio é a manifestação de ideias que incitem a discriminação racial, social ou religiosa em determinados grupos. Reproduzir cenas ou disseminar discursos parecidos com ideais nazistas são atitudes consideradas nessa definição. E a naturalização desse discurso aumenta o problema, como no caso recente do diálogo entre o deputado federal Kim Kataguiri e o influenciador Monark em um dos episódios do Flow Podcast, para milhões de espectadores, em fevereiro de 2022. No ano passado, o Museu do Holocausto publicou uma nota dizendo que “é estarrecedor que não haja uma semana que o Museu do Holocausto de Curitiba não tenha que denunciar, reprovar ou repudiar um discurso antissemita, um símbolo nazista ou ato supremacista. No Brasil, em pleno 2021. São atos que ultrapassam qualquer limite de liberdade de expressão”.
Os ataques do ex-presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, ao movimento negro, também se enquadram nesse problema. Desde a tentativa de retirar 27 nomes da lista de personalidades negras da fundação, como Gilberto Gil e Benedita da Silva (ato já barrado pela justiça), até a fala de que o movimento negro é “uma escória maldita formada por vagabundos”, são exemplos das múltiplas agressões que o governo direciona a grupos historicamente violentados no Brasil. A Coalizão Negra Por Direitos denunciou ao Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU as práticas de Camargo, citando os constantes ataques ao patrimônio histórico e cultural da população negra e aos direitos humanos, a jornalistas e ao trabalho de comunicação voltado às denúncias públicas sobre temas relacionados a racismo.
Outro caso como esse, no âmbito da pandemia, no momento em que o Brasil chegava à marca de mais de 2 mil mortes por dia pela covid-19, foi o de Jair Bolsonaro que, além de não incentivar o uso de máscaras e disseminar notícias falsas sobre as formas de prevenção da doença, alegou não ser coveiro quando questionado sobre a enorme quantidade de vidas perdidas pela doença e a negligência do governo diante desse número.
Diante desse cenário, a Coalizão Negra também se posicionou e protocolou no Congresso Nacional um pedido de impeachment. Segundo a nota, “o pedido de impeachment busca evidenciar que Jair Bolsonaro não é coveiro, é sim um ceifador. Um chefe de executivo que atua com pleno desprezo pela vida, praticando o racismo estrutural ao atuar para “deixar morrer” milhares de brasileiras e brasileiros, considerando que o impacto letal da covid-19 tem cor muito definida no Brasil: as maiores vítimas fatais do coronavírus são pessoas negras e pobres”.
Para Douglas Belchior, cofundador da Uneafro Brasil e articulador da Coalizão Negra Por Direitos, o discurso de ódio de Bolsonaro é também uma estratégia de enfraquecimento de quem pode combatê-lo. “O que acontece é que o racismo, além de ser estrutural em Bolsonaro e no bolsonarismo, é planejado. Eu fui formado politicamente num caldo de cultura dos anos 1980 que tinha como principal alvo a luta pela democracia, a contestação à ditadura e o direito ao voto. Não que esses elementos ativadores do afeto da política tenham perdido importância, mas, hoje, a luta tem sido pelo direito das mulheres, da população LGBTQIA+, da população negra e indígena. É o que mobiliza a juventude. Então, Bolsonaro e os conservadores atacam essas agendas porque é aí que está a força de quem faz oposição a ele”, explica.
*Com informações de Rebeca Cavalcanti, do Brasil de Fato.
A Uneafro Brasil voltou às salas de aula no início do mês de março de 2022, oferecendo gratuitamente aulas presenciais em diversos núcleos que estão localizados nos territórios periféricos de São Paulo e Rio de Janeiro, e também online, por meio do Núcleo Virtual. Ao todo, são mais de 1.800 vagas direcionadas a jovens negras e negros, indígenas, quilombolas e moradores das periferias.
Os cursinhos populares dos núcleos da capital paulista Rosa Parks, em São Mateus; Ilda Martins, na Fazenda da Juta; Raquel Trindade, na Cidade Tiradentes; Quilombaque, em Perus; Camisa Verde e Branco, na Barra Funda; Ocupação 9 de Julho MSTC, no centro de São Paulo; Pagode na Disciplina, no Jardim Miriam; Sérgio Lopaloma, no Jaçanã; 11 de Agosto, na cidade de Poá; Uneafro Itaquá, em Itaquaquecetuba; Cleber Criolo e Mabel Assis, em Guarulhos; Marielle Franco, em São Bernardo do Campo; Negra Visão, em Atibaia; Yabás, em Jacareí; Clementina de Jesus, em Cotia; Conceição Evaristo, em Bebedouro; e Bom Pastor, na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, abriram as portas para os estudantes. O Núcleo Virtual também deu início às aulas, mas como o nome diz, no formato online.
Para José Henrique Lemos, coordenador do Núcleo Ocupação 9 de Julho, a volta acontece em segurança e é mais um exemplo de como o trabalho de base, mesmo em tempos difíceis, não pode parar. “Retornamos aos trabalhos presenciais no núcleo da Ocupação do MSTC, garantindo a segurança dos alunos e alunas com álcool em gel, máscara, distanciamento e solicitamos cópia da carteirinha de vacinação contra a covid. A nossa população é a que mais foi vítima da pandemia e do caos que é a miséria e o desemprego. Os cursinhos da Uneafro se configuram como um polo de resistência à política que quer devastar a vida de pessoas pobres e pretas e são um túnel pra essa galera caminhar com segurança, tendo a possibilidade concreta de superação dos limites impostos pelos que querem que fiquemos na ignorância”.
Já para Pedro Henrique Alcântara, coordenador do Núcleo Camisa Verde e Branco, a volta dos estudantes aos núcleos é motivação para esse novo momento. “O retorno presencial das atividades é primordial para corrermos atrás do prejuízo de todo o período pandêmico. Sabemos que a juventude da classe trabalhadora, principalmente a negra, é a que mais tem sofrido com esse aprofundamento de desigualdades. Os núcleos da Uneafro são uma potente ferramenta de auto-organização da nossa gente para enfrentar esse momento. Aqui no Camisa Verde e Branco, notamos o quanto a comunidade reconhece essa importância e se sente parte protagonista dessa busca pelo direito à educação digna. Educadores e estudantes estão muito animados e restabelecendo as rotinas presenciais das quais estavam desacostumados”.
Fotos: Thiago Fernandes e Roger Silva
Uneafro ajuda a juventude negra a agir e se localizar na história
Para além de saber o que vai cair no Enem e outros vestibulares e ter acompanhamento pedagógico, os alunos e alunas ainda ficam por dentro do que acontece no Brasil e no mundo com aulas de Atualidades, História da África, Direitos Sociais e Humanos, essas com o foco em introduzir discussões que os afetam cotidianamente, e ainda têm acompanhamento psicológico.
Ao longo de seus 13 anos de história, a Uneafro atendeu mais de 15 mil pessoas presencialmente nos cursinhos comunitários. Nos últimos dois anos, com a chegada da covid-19, as atividades educacionais presenciais foram adiadas. O Núcleo Virtual passou a desempenhar o papel fundamental de oferecer a alunos e alunas um espaço de acolhimento e acompanhamento pedagógico online, organizado por mais de 20 professores voluntários.
Os desafios dos cortes na educação
Os desafios de incidir pela juventude negra nas universidades continuam no ano de 2022. Em outubro de 2021, o governo federal anunciou o remanejamento de 87% da verba para o Ministério da Ciência e Tecnologia. O corte foi de R$ 690 milhões para R$ 89 milhões de investimento na ciência.
Em 2005, ano em que foram implementadas ações afirmativas voltadas para acelerar o ingresso de jovens negros nas universidades, como a lei de cotas, apenas 5,5% dos jovens pretos e pardos em idade universitária frequentavam o ensino superior. Em 2015, esse número subiu para 12,8%. Por outro lado, 53,2% dos negros em idade para cursar o ensino superior estão cursando o ensino médio ou fundamental, em comparação ao percentual de 29,1% dos brancos. Os dados são da pesquisa Síntese de Indicadores Sociais – uma análise das condições de vida da população brasileira de 2015.
Curadoria: Alice de Carvalho
EXPOSIÇÃO “ABDIAS DO NASCIMENTO:
UM ARTISTA PAN-AMEFRICANO”
Foto: Reprodução
O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) apresenta, até 5 de junho de 2022, a exposição de uma das mais importantes figuras políticas para o movimento negro, Abdias do Nascimento (Franca, SP, 1914 – Rio de Janeiro, 2011). Essa é a maior exposição dedicada ao trabalho visual desse artista, ativista, escritor, dramaturgo, ator, diretor de teatro, poeta, jornalista e professor universitário, uma figura fundamental na vida política e cultural brasileira recente. Além de intelectual, Nascimento foi deputado federal e senador pelo Rio de Janeiro, e um prolífico pintor. Em seus quadros, figuram personagens, iconografias, insígnias e temas de religiosidades afro-brasileiras, elaborados em diálogo com a tradição da abstração geométrica e na representação dos símbolos africanos, como os adinkras.
A mostra reúne 61 pinturas realizadas ao longo de três décadas, de 1968 até 1998, o período mais frutífero da obra do artista. O neologismo no subtítulo da exposição, um artista pan-amefricano, remete, por um lado, ao repertório de personagens, ideias, cores e formas do pan-africanismo e, por outro, à expressão “ladino-amefricano”, cunhada pela antropóloga Lélia Gonzalez (1935-1994) para se referir às culturas negras da América Latina. A exposição apresenta um panorama amplo e representativo da obra de Nascimento, e é dividida em sete núcleos com base em noções formuladas por ele em seus quadros e textos: Teogonia afro-brasileira, Quilombismo, Deuses Vivos, Germinal, Sankofa, Axé da Esperança e Axé de Sangue.
UM NOVO JEITO DE OLHAR PARA ANTIGOS PADRÕES:
O QUE É A CONSTELAÇÃO FAMILIAR SISTÊMICA?
Angela Neves
Ilustração: Isabela Alves | @isabelacalves
Ao nascermos, não herdamos somente a genética; em nossa bagagem, carregamos também um sistema de crenças e padrões de funcionamento. Com a constelação, entendemos que nossa consciência individual é impactada pelo consciente familiar, e que nossa família é parte do nosso destino. E, desta forma, nossas escolhas podem ser influenciadas por nossa história ancestral.
A constelação familiar prega que recebemos a energia de até sete gerações para trás. Citando um exemplo: Racismo. Um tema que temos falado incansavelmente nos dias de hoje. Historicamente, temos por volta de quatro gerações que vieram pós-período escravagista. Se pensarmos sob a ótica da constelação, ainda teremos mais três gerações para lidarmos com essa temática. Ou seja, não enfrentamos somente o racismo estrutural, temos também um forte impacto do que as gerações anteriores viveram e que reverberam ainda hoje na vida das pessoas pretas do nosso país.
É importante ressaltar que esses processos (que chamamos de emaranhamentos), acontecem de maneira inconsciente e, segundo as leis da constelação, fazemos isso por amor ao nosso sistema. Pois, em nosso íntimo, carregamos uma certa culpabilidade por nossos ancestrais terem enfrentado muitas adversidades.
Por esse prisma, a constelação nos dá a oportunidade de entendermos alguns acontecimentos num nível mais profundo, e de compreendermos que algumas questões de nossas vidas podem vir do nosso sistema.
Visando compreender esse panorama, o trabalho é realizado com o propósito de nos reconciliarmos com nossa história e de acolhermos os sentimentos que ela nos traz. Fazendo com que identifiquemos os acontecimentos de forma consciente, podendo contribuir para a resolução dos conflitos que acontecem nas dinâmicas familiares.
E, afinal de contas, como se constela?
O participante aqui denominado “constelando” apresenta uma questão que está impactando sua vida. O constelador acessa o campo sistêmico e dá início ao movimento.
Em grupo:
Nessa modalidade, o constelando fica observando.
O constelador pede para ele eleger uma pessoa para representar a questão e outra para representá-lo.
Os representantes entram no campo e contam para o constelado o que estão sentindo. Logo após, são solicitados movimentos e falas que vão mobilizar o campo sistêmico em questão.
Individual:
O constelador usa objetos (cristais, bonecos, etc.), que são chamados de âncora. Nesse modelo, eles substituem as pessoas. Aqui, o constelando tem uma participação mais ativa. Ele toma contato com os objetos, conta como se sente e diz as percepções que tem a partir do que está acontecendo no movimento.
Lembrando que o constelador tem o papel de conduzir o movimento da maneira mais generosa possível, deixando suas crenças e seus valores de lado. Ele deve trabalhar com o fenômeno que se apresenta, pautado no respeito e nos limites de cada participante.
É um trabalho lindo, amoroso e sensível.
MULHERES NEGRAS LATINO-AMERICANAS APONTAM O CAMINHO DA ESPERANÇA
Comitiva do movimento negro esteve na Colômbia e Chile para intercâmbio de experiências com a sociedade civil da região
Luiz Soares
Em Bogotá, comitiva do movimento negro em encontro com Ochy Curiel e Mara Viveros, duas das principais feministas negras da América Latina. Foto: Luiz Soares
No último dia 13, a população colombiana foi às urnas para votar pelo novo congresso e pelas prévias para escolher os candidatos que disputarão a presidência no final de maio. Enquanto isso, no Chile, no último dia 11, Gabriel Boric tomou posse como novo presidente do país. O que essas duas histórias têm em comum é o papel dos movimentos feministas, estudantis, de jovens e de mulheres negras.
Entre as possíveis candidaturas à presidência da Colômbia, estava Francia Márquez, advogada e ambientalista que, em 2018, venceu o Prêmio Goldman, também conhecido como Prêmio Nobel do meio ambiente. Em 2019, ela sobreviveu a um ataque violento por defender o direito à água em comunidades afro-colombianas.
Com 700 mil votos, Francia ficou em segundo lugar, atrás de Gustavo Petro, líder nas pesquisas de intenção de voto à presidência. Na última quarta (23), Petro anunciou Francia como sua candidata à vice-presidência e que, caso vença, ela também ocupará o cargo de ministra da Igualdade. Essa é a primeira vez que uma mulher negra concorrerá ao cargo no país.
“A campanha de Francia Márquez tem sabor do impossível, daquilo que traz resiliência, ressignificação e a força do que vai dar certo e do que pode ter frutos muito importantes”, afirma Anielle Franco, diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, uma das mulheres negras participantes da comitiva que percorreu quatro cidades da América Latina e realizou diversas trocas de experiências e aprendizados com movimentos e mulheres negras da região.
Anielle também foi a única brasileira da sociedade civil convidada à cerimônia oficial de posse do novo presidente chileno, Gabriel Boric. Homem, branco, ex-líder estudantil de 36 anos, disputou a presidência do país com a idade mínima exigida. Segundo especialistas e militantes da sociedade civil chilena, sua idade foi primordial para que uma mulher não fosse a candidata do grupo representado pela esquerda jovem e estudantil do país. As demais pleiteantes eram mulheres feministas e jovens chilenas com enormes capacidades para concorrer ao cargo, mas que não tinham a idade necessária para se candidatar.
“A eleição de Gabriel Boric foi pavimentada desde 2019 por uma série de protestos e ações de movimentos sociais ligados às pautas feministas e da juventude que, já em 2011, lutavam por uma educação pública no país e, desde 2019, se mantêm nas ruas com uma agenda de reformas que possam amenizar as injustiças sociais no país”, afirma Débora Dias, coordenadora do Núcleo Ilda Martins, integrante do coletivo de Juventude da Uneafro Brasil e covereadora pela mandata Quilombo Periférico, em São Paulo.
Juventude da Uneafro Brasil
A juventude da Uneafro Brasil também foi representada na viagem por Jéssica Ferreira, da coordenação nacional do movimento. Para ela, “essa viagem tem reconfigurado horizontes políticos a partir da história das lutas e conquistas das mulheres negras e da juventude da América Latina”.
No Chile, as representantes da Uneafro Brasil também conheceram Valentina Miranda, de 21 anos, a mais nova participante do processo de construção da nova Constituição do Chile.
Todas essas histórias foram vistas de perto por 15 mulheres brasileiras que integraram a comitiva do movimento negro que percorreu a América Latina entre os dias 2 e 12 de março. A comitiva brasileira também mostra como a esperança feminina também está no Brasil.
“Estamos emanadas e contagiadas por esse momento que o Chile vive. Isso nos energiza, nos traz possibilidade de solidariedade, de apoio internacional que só fortalecem a nossa incidência na América Latina”, afirma Áurea Carolina, deputada federal pelo PSOL Minas Gerais.
Quando eleita vereadora de Belo Horizonte, em 2016, foi a mulher mais votada da história da cidade e a mais votada entre homens e mulheres nos últimos 16 anos.
As representantes da juventude e mulheres negras brasileiras comprovam a magnitude de suas forças nessa viagem que proporcionou diversos encontros que podem gerar novos caminhos de esperança para outros países da América Latina, como o Brasil.
“As experiências na Colômbia e no Chile apontam para a necessidade urgente de reconhecimento da importância dos movimentos de mulheres negras naqueles países, na América Latina e no mundo. São as mulheres negras que têm se mostrado mais capazes de promover convergências entre diferentes atores sociais para produzir resultados políticos benéficos para o conjunto da sociedade. Construir mais quadros políticos negros e femininos é fundamental para fazer avançar os processos democráticos na região, são as mulheres negras que vão iluminar o caminho para a saída das crises de representatividade, econômica, climática, etc.”, acredita Tainah Pereira, articuladora do Movimento Mulheres Negras Decidem.
Francia Marques com a bandeira de Marielle Franco no encerramento da sua campanha para a presidência da Colômbia. Foto: Raul Arboleda/AFP
Os caminhos abertos pelas mulheres
Com os encontros em Buenaventura, Cali e Bogotá, na Colômbia, e Santiago, no Chile, a possibilidade de novas alianças entre mulheres da América Latina cresceu.
Em reunião com as novas ministras chilenas, Luz Vidal, subsecretária do Ministério da Mulher e da Igualdade de Gênero, destacou a importância dessa união, visando uma agenda “que além de avançar também evite retrocessos”.
“O exemplo chileno aponta a direção de que os movimentos sociais no Brasil, sobretudo o movimento negro, são a transformação do país. Que ela só se dará pelas mãos daquelas que sempre estiveram de fora dos espaços de decisão: as mulheres negras, jovens e periféricas”, reforça Débora.
“Só vai ser possível a gente prosperar politicamente e esperançar o futuro a partir dessa agenda política e esse projeto de mundo que as mulheres e a juventude negra têm para o Brasil”.
No dia 8 de março, a comitiva brasileira também participou da marcha 8M, pelo Dia Internacional da Mulher. Mais de 300 mil mulheres, principalmente jovens, participaram do ato.
“Precisamos pensar nessa quantidade de mulheres no Brasil, fazendo chão para possíveis e futuras candidatas mulheres em nosso país”, finalizou Anielle Franco.
“Da nossa parte, fica como tarefa a necessidade de colaboração com os movimentos, especialmente por uma atuação antirracista, de promoção dos direitos das populações migrantes e dos povos originários na América Latina”, concluiu Áurea Carolina.
Para novos avanços no Brasil, também cabe aos partidos ditos progressistas entenderem a necessidade de mudanças em suas estruturas. É preciso uma adequação para essa realidade, pois “enquanto seus quadros não forem compostos por essas mulheres e jovens e enquanto suas candidaturas não representarem de verdade aqueles que dependem diariamente das políticas públicas que são formuladas pelos parlamentares e órgãos do executivo, não haverá justiça na sociedade brasileira”, finalizou Débora Dias.
VOLTA ÀS AULAS
As aulas presenciais dos cursinhos pré-vestibulares da Uneafro Brasil retornaram em 5 de março. Confira os registros!
Núcleo Rosa Parks, São Mateus, zona leste de São Paulo
Núcleo Quilombaque, Perus, zona norte de São Paulo
Núcleo Ocupação 9 de Julho, centro de São Paulo
Núcleo Cleber Criolo, Guarulhos, Grande São Paulo
Núcleo Camisa Verde e Branco, Barra Funda, zona oeste de São Paulo
Núcleo Sérgio Lopaloma, Jaçanã, zona norte de São Paulo
Núcleo 11 de Agosto, Poá, Grande São Paulo
Núcleo Clementina de Jesus, Cotia, interior de São Paulo
Núcleo Conceição Evaristo, Bebedouro, interior de São Paulo
Núcleo Mabel Assis, Guarulhos, Grande São Paulo
Você é professor ou aluno da Uneafro, é da quebrada, curte e faz arte negra e periférica? Dê um salve!
Mande um e-mail para [email protected] e mande seu trabalho aqui para toda a nossa comunidade ver!
TVuneafro
O coletivo de audiovisual da Uneafro Brasil é o responsável pela TV Uneafro, um canal de entrevistas, documentários e produções especiais para potencializar as vozes das quebradas e os temas importantes para o movimento negro.
Temas como Saúde Mental, Sistema Carcerário, Teledramaturgia, Mudanças Climáticas, Juventude na Política, Dia da Consciência Negra, Marco Temporal, Democracia, Povos de Terreiro, Hip Hop e Cinema Negro são os destaques.
Assista no youtube.com/uneafrobrasil e saiba mais em instagram.com/tvuneafro
Colabore Conosco
A principal missão da UNEafro é tirar o corpo negro e pobre da linha do tiro, do contingente encarcerado pelo estado, da fila do hospital e dos números das estatísticas da violência. Para isso, desenvolve ações que buscam oferecer oportunidades de estudo e trabalho em comunidades negras e pobres.
Você pode fazer parte e ser responsável por esse importante trabalho. Doe!
Banco do Brasil
Agência: 4054-1 | CC: 285.078-8
Em nome do Instituto de Referência Negra Peregum
CNPJ: 11.140.583/0001-72
Expediente: Edição: Caio Chagas, Jéssica Ferreira | Diagramação: Gabriela Bosshard | Revisão: Renata Toni | Contato: [email protected]