A Coalizão Negra Por Direitos, rede formada por 292 organizações do Movimento Negro brasileiro, se prepara para enfrentar o Estado Brasileiro na primeira fase do julgamento da APPF 973 (Pelas Vidas Negras), protocolada em maio de 2022, em parceria com famílias das vítimas da violência do racismo institucional. Essa ação exige uma série de ações por parte do Estado Brasileiro, como barrar o avanço da política de morte contra a população negra brasileira. Para isso, se torna necessária, entre outras coisas, a elaboração de um Plano Nacional de Enfrentamento ao Racismo Institucional e à Política de Morte ao Povo Preto e ações de reparação para vítimas de violência.
A Coalizão acusa o Brasil de “estado de coisas inconstitucionais”, por descumprir o preceito constitucional de direito à vida, que tem sido violado historicamente às negras e negros brasileiros. A situação foi agravada durante a gestão do governo Bolsonaro, que desmontou políticas públicas essenciais à manutenção da vida, especialmente no campo da saúde pública e segurança alimentar, exemplos clássicos da persistência das desigualdades raciais em relação à população negra no Brasil.
No início do mês, o presidente do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso pautou a ação para julgamento. A Coalizão Negra Por Direitos esteve em Brasília para reuniões com o Advogado Geral da União, Jorge Messias, e com o Ministro Barroso para discutir sobre os impactos da Ação nas instituições constitucionais e na vida da população negra. Na ocasião, a Coalizão conseguiu a garantia de Messias de que a AGU se manifestaria novamente nos autos, tendo em vista que a manifestação anterior foi feita pelo AGU indicado por Bolsonaro, que negou a gravidade da tese sobre violações de direito apresentada na ADPF Pelas Vidas Negras.
A escravidão foi o episódio histórico mais longo do Brasil, com graves repercussões até hoje, refletindo em maiores taxas de encarceramento, desemprego e insegurança alimentar entre a população negra. Desde a abolição, a República brasileira passou por diferentes formações políticas, da democracia precária da República Velha, passando pelas experiências autoritárias do Estado Novo e da Ditadura Militar à redemocratização. Mesmo no marco dos 35 anos de uma constituição profundamente garantista e promotora de direitos, o episódio jamais foi revisitado pelo Estado Brasileiro com a finalidade de garantir uma reparação integral e estrutural, que refundasse a relação histórica de omissão e silenciamento do país com a memória da escravidão.
A Ação, feita em parceria também com os partidos (PT, PSOL, PSB, PCdoB,PV e PDT), sustenta a tese do “Estado de Coisas Inconstitucional” estabelecido contra a População Negra brasileira, e propõe seu enfrentamento por meio de um olhar integral para as vidas. De acordo com o movimento “o julgamento da presente ADPF Pelas Vidas Negras exige a consideração de campos e violências distintas que impactam vidas negras no Brasil, mas que produzem o mesmo resultado: políticas de genocídio da população negra, que marcam o momento presente e são fruto da linha histórica da escravidão e da ausência de ações efetivamente reparadoras” afirma o grupo.
Quanto ao andamento processual, até o momento, mais de 20 organizações solicitaram o ingresso como amicus curiae, apesar de, em primeira análise, ter havido o indeferimento de habilitação de algumas organizações por falta de legitimidade processual e ausência de pertinência temática do trabalho das organizações ao objeto da Ação, em nova decisão monocrática o relator, Ministro Fux, admitiu aos autos importantes organizações do movimento negro e entidades da sociedade civil que trabalham na defesa de direitos, entre elas, a Criola, a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos – CONAQ, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Instituto de Referência Negra Peregum, a Rede Nacional de Feministas Antiproibicionista – RENFA, o Instituto de Defesa da População Negra – IDPN, o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares, a Defensoria Pública da União, a Clinica de Direito da UERJ, a Conectas Direitos Humanos, e Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN.