Veja alguns relatos feitos durante live de lançamento da publicação que conta a história da organização
“Imagina pegar uma lousa, carteiras e ir para as praças da República ou Sé e ali fazer uma aula!”. Com aquela saudade de uma boa aglomeração – que a Uneafro Brasil tão bem sabe fazer – Vanessa Nascimento, uma das fundadoras e integrante do conselho geral do movimento, simbolizou a importância da história de 12 anos que a organização acaba de completar.
Na última quinta (20), foi realizado o lançamento do livro “Uneafro Brasil: 12 anos de Luta”, que você pode baixar em nosso site.
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Ao destacar como o movimento fazia aulas públicas mensais em espaços abertos, Vanessa destacou como sempre foi feito muita coisa, porém nunca se parou para organizar a história. “Esse momento de organização do livro foi super importante para a gente poder contar e reviver as histórias das pessoas que já passaram ou ainda contribuem para construir a Uneafro, fazendo com que ela seja grande como hoje”, agradeceu ela.
A realização do lançamento do livro em meados de maio – mês marcado pela falsa abolição do dia 13 – é mais uma forma que a Uneafro encontrou de mostrar a importância de registrar a história, por e para pessoas negras e periféricas. E também como o trabalho de base feito em mais de 39 territórios ao longo desses 12 anos de existência da Uneafro Brasil, é feito para e por essas pessoas em um verdadeiro “quilombo urbano e moderno”, como citou no evento Mayra Ribeiro, coordenadora do Núcleo Laura Vermont que atua na região da Luz.
A Uneafro é esse movimento de base feito para a base, que hoje tem atuação nacional. Ao longo de sua trajetória, mais de 15 mil jovens já passaram pelo cursinho desde 2009 e tiveram melhores condições de adentrar na universidade e no mercado de trabalho. A Uneafro também levou identificação, formação política e cultural para esses jovens que hoje também constroem o movimento e que transformam as realidades de onde vivem.
“A construção do movimento e luta em prol da juventude e do povo negro feita por tanta gente que já passou aqui. De quem dedica e dedicou parte da vida para ajudar jovens pretos e pretas a ingressar na universidade, me leva às lágrimas” finalizou Vanessa.
“O livro é uma história contada pelas próprias pessoas que estão no dia-a-dia da Uneafro. Com suas dores e delícias. Um belo capítulo dessa história”, afirmou Christiane Gomes, gestora de projetos da Fundação Rosa Luxemburgo, importante para a construção e publicação dessa história.
Movimento em maturidade
Tomaz Amorim, coordenador do Núcleo Virtual da Uneafro Brasil, resgatou a expressão “União de Núcleos” que forma o nome do movimento – União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora –, ao explicar que não daria para ele contar toda essa história, muito menos incluir na publicação todos e todas envolvides. “O livro conta tudo isso de forma coletiva, a partir dos núcleos e suas vozes múltiplas, cada um na sua quebrada, no seu jeito de falar”, afirma ele, que ainda reforça.
“Lançar este livro é um sinal de maturidade da Uneafro, pois ao organizar o seu acervo será possível acumular os acertos e evitar que os erros se repitam”, afirma ele.
O conjunto de histórias felizes e tristes, tudo misturado, é o que constrói um movimento social. Ao aprender e crescer no coletivo e ainda conseguir registrar tudo isso, este movimento mostra mais uma vez o seu potencial.
Adriano Sousa, um dos responsáveis pelo arquivo histórico e memória Uneafro – Maria Beatriz Nascimento, comprovou isso. Segundo ele, que também é coordenador do Núcleo Ilda Martins e integrante do coletivo de memória CPDOC Guaianás, a Uneafro é um dos poucos movimentos que têm seus registros no Arquivo Nacional.
“Falando em acervos de movimento negro, organizando sua própria documentação e ter isso em uma instituição nacional, mostra a seriedade do trabalho. A gente é muito fazedor. Faz cursinhos, dá aula, mas o quanto disso vai ficar para as gerações posteriores?”, destacou ele.
Já conhece o acervo da Uneafro? Você pode consultá-lo aqui!
Ao mencionar a importância de deixar tudo isso registrado para as gerações futuras, Thiago Fernandes, fotógrafo, produtor de vídeos, editor e fundador da Toco Filmes, destacou como a luta por essa memória está cada vez mais presente. “As pessoas veem a câmera e querem gritar, protestar, isso é muito forte”, mencionou ele que acompanha a Uneafro nos registros multimídia.
Feito na base para a base
O evento ainda contou com a participação de alguns coordenadores e coordenadoras de núcleos da Uneafro Brasil, que verdadeiramente levam o movimento para todo o Brasil, em seus 39 territórios e neste momento de pandemia, servindo ainda mais como pontos de referência nas quebradas para a comunidade. Vale destacar que a Uneafro é um cursinho popular que atende a expectativa dos jovens, mas tem uma grande liderança de mulheres pretas.
Elaine Correia, coordenadora do Núcleo Ilda Martins, e também estudiosa em literatura, inclusive, mencionou como é importante dar visibilidade para escritores e escritoras da periferia. “Temos pessoas escrevendo e que tem muita coisa a oferecer, mas nem sempre conseguimos trazer essa voz para que todo mundo consiga ouvir, mesmo que de forma online”, reforçou ela.
Segundo ela, o diferencial destas pessoas, é a afetividade trazido em seus textos. “Escrevemos a nossa memória como nossos ancestrais ensinaram, nós sabemos fazer isso”.
Falando sobre o que se sabe fazer, Maurício D Melo, coordenador do Núcleo Mabel Assis, em Guarulhos, frisou que este trabalho de base feito pela Uneafro Brasil não é coisa simples. “Ser uma organização de base não é pra qualquer movimento. É para o movimento negro, nós sabemos o que é isso”, disse.
Como exemplo, D Melo mostrou as transformações que ocorrem em seu território e como o movimento está atento a isso. “Temos identificado uma coisa nos últimos anos, principalmente neste último, que é a falta de alfabetização, algo que já sabíamos mas não estávamos tendo contato direto. Com isso, tomamos a decisão que iremos fazer um núcleo de alfabetização com base em Paulo Freire”, avisou ele.
Mayra Ribeiro aproveitou para mostrar como essa movimentação dos núcleos está diretamente relacionada às transmutações das populações nesses territórios. “Durante a pandemia, também vimos como as pessoas, por exemplo, em situação de rua e a população LGBTQIA+ tiveram, infelizmente, que usar mais uma vez sua habilidade prática da resistência, isso é forte entre eles. A base é a arte da resistência. É na base que se encontra a verdade, e que sai daquilo tudo que o mundo está vivendo”, finalizou ela.
Para Mayra, algo concordado também por todos os convidados, ouvir a base é ouvir a ancestralidade. Afinal, estar com os nossos e nossas é estar com a base, com o presente e com o futuro.
Texto: Luiz Soares | Foto: Flávia Lopes