Cátia Cipriano realizando seus atendimentos no Núcleo Obará Foto: Thiago Fernandes

Por: Caio Chagas

Em todo o mundo, aproximadamente 1 bilhão de pessoas vivem com algum transtorno mental, segundo a Organização Mundial da Saúde. O mesmo relatório, feito em 2020, aponta que, a cada 40 segundos, alguma pessoa é vítima de suicídio. No Brasil, 11,5 milhões de pessoas têm o diagnóstico de depressão, e 18,6 milhões têm transtorno de ansiedade. Em meio à pandemia, a juventude negra segue sendo a mais afetada no quesito saúde mental. O levantamento feito pela Escola Livre de Redução de Danos apontou que a vulnerabilidade com relação à renda é o principal fator ligado ao aumento no consumo de drogas entre a população preta e parda. Iniciativas da sociedade civil têm se organizado para mudar essa realidade e levar cuidado e assistência a uma parcela da população que não tem acesso a um cuidado essencial.   

O Núcleo Obará surgiu em maio de 2019 a partir da necessidade de um projeto de escuta e cuidado voltado à população negra e militantes da Uneafro Brasil. A partir daí, se pensou nesse espaço de desenvolvimento do corpo, da mente e da alma, com base na Política Nacional de Práticas de Saúde Integrativas e Complementares, utilizando recursos terapêuticos que buscam a prevenção de doenças e a recuperação da saúde, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade. No Núcleo, são oferecidas terapias como o reiki, a radiestesia e a massagem ayurvédica e tarot, além da psicoterapia.

Para Cátia Cipriano, psicóloga, militante da Uneafro Brasil e fundadora do Núcleo Obará, o racismo afeta diretamente a saúde mental das pessoas negras. “O impacto do racismo na saúde mental tem muitas nuances, de diversas formas ela apresenta sentimentos de inferioridade, de não pertencimento, não se identifica com sua identidade e essas questões com a autoestima e autoconfiança, gerando uma fragilidade emocional. Pode, a partir desses sentimentos, criar reações de autopunição, depressão, ansiedade”. Dados do Ministério da Saúde apontam que, em 2018, o suicídio era a terceira principal causa de morte entre os jovens brasileiros, sendo 45% maior entre as pessoas negras. “Se o adoecimento psíquico afeta o povo negro, essa dor psicológica, mesmo na militância, pode não ser ressignificada para muitos de nós, a militância pode fortalecer o oprimido, mas, às vezes, é necessário apoio profissional para a superação desse trauma”, reforça Cátia sobre o papel dos movimentos sociais no enfrentamento ao racismo estrutural.

Com um direcionamento aos militantes do movimento negro e periférico, o Núcleo Obará aparece como um espaço de acolhimento e de escuta para as dores psíquicas e emocionais, e os cuidados para o corpo físico, “que também somatiza e acumula tensões e reações de dor e sofrimento psíquico. O cuidado com as terapias holísticas tem esse intuito de compreender que o corpo que sofreu todas as violências pode ser cuidado a partir de uma troca de cuidado energético e com afeto”, afirma a psicóloga. Historicamente, a população negra foi vítima das políticas higienistas que promoveram a manicomialização e a vinculação de tradições ancestrais à loucura e à criminalidade. O espaço do Núcleo Obará potencializa também o resgate da ancestralidade e apresenta tradições de cura do povo negro. “Estamos criando no Obará uma nova forma de integrar, de unir e aquilombar para poder cuidarmos uns dos outros de forma segura, criativa e dinâmica, trazendo uma nova forma de cuidar e curar com afeto dos nossos iguais”, finaliza Cipriano.

Terapias complementares

As práticas oferecidas atualmente pelo Núcleo Obará são atendimentos de psicoterapia individual, grupos de meditação guiada, reiki, radiestesia, tarô e massagem ayurvédica que está suspensa temporariamente devido à pandemia. Em meio ao isolamento social, todos os atendimentos são feitos online. Juliana Santana realiza atendimentos de reiki e radiestesia. Para ela, as terapias holísticas ajudam no tratamento de quadros de ansiedade e depressão. “O terapeuta emana energia, encontra qual é o ponto que está em defasagem e modifica essa energia, costumamos transmutar essa energia parada que está consumindo a pessoa”, apresenta Juliana. “O reiki e a radiestesia são terapias energéticas que têm o intuito de tratar o campo da energia metafísica, porque tratamos diretamente com a mente, e não podemos separar a mente da energia”, conclui. 

Juliana Santana apresentando as práticas das terapias holísticas Foto: Thiago Fernandes

Para Amanda Buma, estudante de naturologia e massoterapeuta ayurveda no Núcleo, as práticas oferecidas atuam também na cura física das enfermidades, “adoecimento psíquico, principalmente por ansiedade e depressão, tem sua morfologia e suas relações químicas. Entendendo isso e entendendo que dentro de nós existe um potencial de cura, vemos nas práticas holísticas uma terapia que influencia tanto a parte física e química do nosso ser, assim como movimenta a nossa energia e as nossas emoções, promovendo saúde, e essa organização auxilia nos tratamentos psicoterapêuticos e psiquiátricos”. A jovem ainda reforça o potencial transformador da massoterapia. “A massagem ayurvédica é uma das técnicas da milenar medicina indiana, ela significa conhecimento da vida ou ciência da vida, ou seja, ciência que busca a longevidade. A massagem promove o equilíbrio eletroquímico entre corpo, mente e energia. Reduz sintomas depressivos ou de bloqueios emocionais, realinha a postura e previne doenças respiratórias, além de fornecer um relaxamento e harmonizar os chacras”, pontua.

Assim como Juliana e Amanda, Luana Rodrigues da Silva começou na Uneafro Brasil como aluna e, hoje, é terapeuta do Núcleo Obará. “Para mim, estar nesse lugar de terapeuta tem sido algo muito especial, ter sido cuidada com terapias, meditações e massagens ayurvédicas em um momento em que eu não estava bem emocionalmente, me tornou uma mulher forte e destemida, deixando meus receios de lado para conseguir oferecer esses mesmos cuidados que tive para outras pessoas”. Luana, que é massoterapeuta ayurveda, aponta a importância de ações como a do Núcleo Obará de oferecerem cuidados para uma população que não tinha acesso às discussões de autocuidado. “A importância de um espaço como o Obará é proporcionar para as pessoas impossibilitadas de acessar tratamentos para o autocuidado como as massagens e terapias, fazendo com que elas tenham um tratamento digno para cuidar de seus problemas emocionais e físicos”. 

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