O evento contou com a presença de lideranças do movimento negro, professores, parlamentares e estudantes dos cursinhos populares da entidade.

No último sábado (17/6), a Uneafro Brasil realizou pela primeira vez o Aulão Inaugural com os núcleos de educação popular do estado do Rio de Janeiro. O evento se deu pela significativa expansão da Uneafro no estado, o que gerou a necessidade de um evento próprio na cidade maravilhosa. 

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi a anfitriã dessa primeira edição. O encontro reuniu estudantes, professores, coordenadores, artistas e lideranças políticas em torno do tema “UNIVERSIDADE PARA TODES: universidade preta, plural e democrática”.

Ao longo do dia, foram debatidos o papel da universidade para a construção da democracia e combate ao racismo, a lei de Cotas, as mudanças que vieram com a política pública e a apresentação de uma Carta de Reivindicações do movimento que visa a articulação de um plano de educação antirracista dentro das universidades brasileiras.

Para dar início aos trabalhos e a primeira de muitas aulas magnas que acontecerão no Rio de Janeiro, a Uneafro convidou a Mãe Nilce de Iansã, que fez um canto de abertura dedicado a Exu, o orixá da comunicação e responsável pela abertura de caminhos. “Exu lonan, Exu lonan. Modilê lodê elegbara. Legbara mirè Exu ona kewa ô”, que em tradução do Iorubá quer dizer: “Exú do caminho, eu brinco do alto da montanha para o senhor dar força. Exu, eu estou feliz Exu. Exu do caminho, nós o cumprimentamos”.

Após o canto de proteção, em uma fala emocionante, Mãe Nilce mencionou a importância da inclusão da juventude negra nas universidades pela defesa da população negra e periférica e pela defesa das religiões de matriz africana que vêm sofrendo diversas retaliações dentro das comunidades por extremistas religiosos e pelo crime organizado. “Eu sou de uma tradição que não escolhe ninguém por sua condição social, pela cor da sua pele, muito menos pela sua orientação sexual. Sou de uma tradição de acolhimento, de escuta, mas que, pela falta de conhecimento, nós, o povo de tradição de matriz africana, estamos, ao longo dos anos, sofrendo com o racismo religioso, esse mal que é um determinante social para a nossa saúde”, explica Mãe Nilce.

Segundo a espiritualista, o racismo religioso adoece e mata e, por isso, ela luta para que a juventude esteja dentro das universidades. “Será através do conhecimento de vocês que virá a defesa do nosso povo negro, do nosso povo pobre e do nosso povo de tradição de matriz africana”, conclui a líder religiosa. 

Na sequência, a coordenadora Luana Vieira, do Núcleo Pagode na Disciplina, em São Paulo, abordou o papel da Uneafro em contrapartida à necropolítica, refletindo o conceito da teoria proposta pelo filósofo, Achille Mbembe, os desafios enquanto coletivo e os avanços. “A tecnologia social que a Uneafro vem fazendo nesses quatorze anos é a manutenção da vida dos corpos pretos. Hoje, vendo esse auditório assim, a gente pode ter certeza que está no caminho certo, que a gente continua em marcha e que nós somos o sonho dos nossos ancestrais, pois estamos lutando para nos manter vivos”, afirma a coordenadora.

Luana fala dos avanços tecnológicos e como essas ferramentas possibilitam a expansão da Uneafro em territórios antes inacessíveis como os quilombos e aldeias indígenas. “Uma dessas ferramentas que teve muito acesso durante a pandemia foi o próprio núcleo virtual, resultado de vários avanços tecnológicos, porque a gente consegue atualizar os diversos canais de comunicação da Uneafro. Utilizar esse tipo de ferramenta é fortalecer ainda mais para o crescimento das ações públicas da Uneafro e fortalecer ainda mais para que muitos outros alunos possam ter acesso à educação de qualidade, que é a nossa perspectiva de colocar os alunos dentro das universidades públicas e privadas de todo o país”, explica Luana. 

Ainda sobre a tecnologia social da Uneafro, Sara Cristina de Almeida Santos, que é estudante da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora e professora do Núcleo Ilê Ekó, em Angra dos Reis, fala sobre a parceria da Uneafro com a Universidade Federal Fluminense e sobre a atuação relevante com povos originários da região. A coordenadora conta um pouco sobre o projeto e o impacto no território. 

“A tecnologia social, ela é aplicada na Uneafro, é aplicada no seio da Uneafro e precisa ser aplicada em todos os núcleos aqui. Tecnologia social é desenvolvida e aplicada com interação da comunidade, a UFF de Angra, que é um polo pequeno, só tem três cursos: políticas públicas, geografia e pedagogia. Existem pessoas que moram lá e não sabem que tem Universidade lá”, explica Sara.

A coordenadora fala da criação do Núcleo Ilê Ekó, que significa Casa e Saberes em Iorubá. A escolha do nome é para o fortalecimento da identidade ancestral e negra na região, tendo em vista as dificuldades em se ocupar um território corrompido pelo Bolsonarismo. “A gente pensou por que fazer um pré-vestibular com esse nome, Ilê Ekó, em um lugar que é extremamente bolsonarista, um lugar desgovernado, Angra dos Reis é o município que mais votou no Bolsonaro no Rio de Janeiro, a nossa luta política é muito grande, então, pra gente ser Núcleo da Uneafro em Angra dos Reis, tão próximo de comunidades quilombolas, caiçaras, indígenas, representa diminuir o egresso da Universidade, trazer pessoas para a Universidade e não só trazer pessoas, mas interferir no posicionamento político que essas pessoas vão ter e vão construir com a gente e com outras pessoas. Levar e repartir”, conclui a coordenadora.

Seimour Souza, cientista político e coordenador do núcleo da Uneafro Brasil no Rio de Janeiro, também marcou presença no evento batendo um papo sobre os desafios enfrentados pela juventude negra e as ações práticas desse enfrentamento na política institucional. “O processo abolicionista brasileiro no processo de escravização que durou mais de 350 anos tinha como um dos principais lemas “Negro também pode ser doutor”, esse é um dos lemas trazidos lá de 1850, 1860. A educação sempre teve um papel preponderante dentro do desenvolvimento social do negro brasileiro”, argumenta Seimour. 

O cientista político cita nomes como Gilberto Freyre e Oswaldo Cruz, ambos conhecidos por desenvolver teorias eugenistas acerca da população negra escravizada, e fala sobre racismo na forma de políticas desenvolvidas para que a população negra e periférica não acessasse espaços como a UERJ. “Gilberto Freyre preconizava que até os anos 2000, o Brasil seria uma nação branca. Segundo ele, os negros traziam atraso para o Brasil. Outro nome que é muito conhecido como nome de bairro, nome de avenida ou como nome da maior instituição sanitarista do Brasil, o Oswaldo Cruz, esse que dizia que o maior problema das doenças venéreas era a existência de pessoas africanas em solo brasileiro. É desse tipo de lugar que a gente está falando, é desse tipo de política que foi preconizada e colocada na constituição brasileira. O Estado pensou e pensa, até hoje, em formas de impedir que a gente acesse esse lugar”, expõe o cientista. 

Douglas Belchior, historiador e cofundador da Uneafro, não poderia deixar de citar sua felicidade com a inauguração desse novo momento da Uneafro Brasil junto à UERJ. “Nossa missão é tirar o corpo negro da mira da bala, do tiro, da violência, da negação de direitos e oferecer a ele espaço de vida, de oportunidades e realizações que a educação pode proporcionar. Jovens negras e negros vivos e nas universidades! Trabalho real, comunitário e permanente nos territórios”, menciona Douglas em sua conta no Instagram. 

Carta de Reivindicações da Uneafro Brasil a líderes e representantes políticos 

No segundo momento desse grande dia, foi apresentada a líderes, militantes pela educação antirracista e representantes políticos a Carta de Reivindicações da Uneafro Brasil, que foi recebida pelo subsecretário do Meio Ambiente, Arthur Sampaio; pela deputada federal, Talíria Petrone; pela vereadora da cidade do Rio de janeiro, Mônica Cunha; pelo deputado federal, Pastor Henrique Vieira; pela deputada estadual, Renata Souza; e pela secretária do Meio Ambiente e do Clima no Rio de Janeiro, Tainá de Paula. 

A carta contém pontos de reivindicações dos cursinhos populares e comunitários. Nas redes sociais da deputada estadual Renata Souza, foi publicado um vídeo da representante ao lado de Douglas Belchior, falando sobre a construção de políticas públicas que, não só garantam o acesso, como a permanência dos estudantes nas instituições de ensino.  “É para isso que ocupamos os espaços de poder, para que a gente também possa formular políticas públicas de superação das desigualdades sociais, em especial as desigualdades de gênero, raça e classe”, afirma a deputada. 

A secretária do Meio Ambiente e do Clima do Rio de Janeiro, Tainá de Paula também deixa seu recado. “A juventude está iniciando um processo de construção coletiva que orbita ao redor da Uneafro Brasil, mas que perpassa pela visão negra por direitos, pela construção do movimento negro brasileiro e a reconstrução do Brasil”, expõe a secretária. 

Tainá, que também é vereadora da cidade do Rio de Janeiro, afirma que o Brasil só será reconstruído para a maioria se a maioria representativa desse país estiver ocupando espaços de decisão.

Texto| Mayara Nunes

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