Atividade é realizada na data simbólica do 13 de maio, com aula magna e atividades culturais 

Cerca de mil estudantes negras, negros e das periferias dos mais de 30 núcleos de educação popular da Uneafro Brasil ocuparam, no Dia Nacional de Luta e Denúncia Contra o Racismo, 13 de maio, o Edifício Eurípedes Simões de Paula, departamento de Geografia e História da FFLCH-USP, para uma aula histórica sobre a abolição inconclusa. 

O termo “falsa abolição” ou “abolição inconclusa” foi designado por militantes e estudiosos do movimento negro como uma crítica da celebração do 13 de maio como o marco do fim da escravatura. A Lei Áurea, decretada em 1888, significou o fim legal da escravidão no Brasil, mas a dimensão social e política desse processo está inacabada até os dias atuais. 

E para ministrar essa aula, a Uneafro convidou o professor e pesquisador do Núcleo Afro do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), Matheus Gato. O autor do livro “O Massacre dos Libertos: Sobre Raça e República no Brasil” afirma que os problemas que a população negra enfrenta hoje são essencialmente sobre liberdade. 

“O 13 de maio ainda tem muito a nos falar porque o problema que a população negra enfrenta hoje não é só o problema da igualdade, ela enfrenta, hoje, o problema da liberdade. Que liberdade tem um menino que não pode brincar no quintal de sua casa? Que liberdade tem uma criança que pode ser ameaçada por uma bala perdida? Que liberdade tem uma pessoa que não pode ter uma circulação plena na cidade? Eu acho que, do ponto de vista político, uma das coisas que a gente pode lembrar pelo 13 de maio é que não só a igualdade, a democracia, a nossa luta para ocupar essa universidade é um problema. Mas que a liberdade, o direito civil dos negros não estão plenamente conquistados no Brasil”, aponta Matheus Gato.

Além do professor Gato, o primeiro momento do Aulão contou também com a presença de Regina Lúcia e Milton Barbosa, militantes históricos do movimento negro e fundadores do MNU; dos mestres e coordenadores dos núcleos de educação popular da Uneafro Paulo Perê, do Núcleo Quilombaque, Elaine Correia, do Núcleo Rosa Parks e Julia Pereira, do Núcleo do Trevo – Camisa Verde e Branco, que bateram um papo com a juventude sobre os desafios e as alegrias de construir os cursinhos nas quebradas de São Paulo. 

“Eu acho muito importante trazer aqui a Lei Nelson Sargento, que foi sancionada recentemente, reconhecendo as escolas de samba como patrimônio cultural, assim como suas atividades. Por muito tempo, as escolas de samba foram reprimidas, impedidas de manifestar os nossos afetos, as nossas festas e que a gente tenha garantido o direito de manifestar a nossa cultura. A história do Camisa se confunde muito com outras escolas tradicionais, como a Vai-Vai, Peruche, Neném, porém, a Associação Cultural Escola de Samba Camisa Verde e Branco, no seu próprio nome traz o compromisso social e cultural, e essa é a importância da gente ter um cursinho popular dentro da escola de samba, pra gente tirar esse estereótipo do carnaval, e mostrar pras pessoas que o carnaval é muito mais do que somente um desfile, o carnaval emprega pessoas, sustenta pessoas pretas”, afirma a coordenadora Júlia Pereira. 

Quem comandou a programação das atividades foram as Mc’s Débora Dias, covereadora da mandata Quilombo Periférico e integrante do Núcleo Ilda Martins; Nívea Andrade, da articulação indígena e Núcleo Virtual; Julia Gomes, conselheira estadual da juventude e coordenadora do Núcleo Dona Jô; e Matheus Soul Zulu, rapper e coordenador do Núcleo 11 de Agosto.

O Aulão recebeu também a participação do Ministério da Educação, representado por Zara Figueiredo Tripodi, secretária da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (SECADI) e Adriana Moreira, coordenadora-geral da Formação Continuada para a Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola, que receberam em mãos o Plano Nacional de Ações Afirmativas na Educação Básica para a população negra, construído pela Uneafro. 

O objetivo do plano apresentado é o de reduzir a evasão escolar, a distorção “idade-série” de estudantes negros da Educação Básica, além de ampliar os indíces de aprendizado em português e matemática das crianças e jovens negros. 

Leia aqui o documento completo.

Júlio Alves é militante ativo da juventude da Uneafro e coordenador do Núcleo Pagode na Disciplina, no Jardim Miriam. Ao lado de sua companheira de luta, Stefany Lourenço, do Núcleo 11 de Agosto, em Poá, Júlio representou a juventude no gesto simbólico de entrega do documento, contendo as diretrizes do planejamento recebido pela secretária do Ministério da Educação, Zara Figueiredo. O coordenador nos conta como foi esse momento.

“No começo, eu estava bem nervoso, mas busquei me acalmar o máximo possível e deu tudo certo. Me senti muito feliz porque, querendo ou não, eu fiz um papel importante ali. A gente está plantando a luta. A gente está plantando o nosso posicionamento diante de vários acontecimentos. E é aí que colhemos a nossa vitória e colhemos o nosso objetivo, que é tirar o jovem negro da rua e colocar no ensino superior e em outros lugares também”, rememora o coordenador. 

Para Douglas Belchior, cofundador da Uneafro Brasil, os cursinhos populares comunitários são base fundamental na luta pelo direito à educação em todo o país, sendo assim, é de suma importância esse diálogo entre o Estado e os movimentos sociais. “Nada mais justo, elementar e fundamental que esse grupo organizado dialogue diretamente com o Ministério da Educação. E a gente tem, hoje, um governo com compromisso popular e democrático e um Ministério da Educação absolutamente sensível às agendas do movimento negro, especialmente a partir da SECADI e da secretaria dirigida, capitaneada pela Zara Figueiredo, que é uma referência na luta por um direito à educação e, sobretudo, pelo direito à educação de pessoas negras”.

Douglas também menciona a importância da entrega do Plano de Reivindicações para Zara, uma referência na defesa pela educação, comprometida com a diversidade e com a igualdade racial. O cofundador da Uneafro e educador também planeja os próximos rumos dessa ação. “O próximo passo é organizar uma grande comitiva do movimento até Brasília para se encontrar com o Ministro da Educação. O caminho é fazer um trabalho de pressão junto ao Congresso e também um diálogo com outros ministérios, além do próprio Ministério da Educação”, afirma Belchior.

Após o primeiro momento dessa grande aula, os alunos da Uneafro seguiram para o almoço no bandejão, mas não sem antes ouvir a fala emocionante de Adriana Moreira, coordenadora-geral da Formação Continuada para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola do Ministério da Educação, sobre esse ato histórico e a dificuldade do acesso ao bandejão pelos estudantes dos cursinhos populares ao longo das últimas décadas na USP.

“Eu entrei aqui em 2001, como aluna da faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e ainda não saí, fiz mestrado, entrei no doutorado e, agora, estou na faculdade de Educação. Eu quero dizer que, nos anos 2000, fervilhava de cursinhos aqui dentro dessa Universidade, eu era coordenadora do Núcleo de Consciência Negra e contribuía no cursinho da associação de educadores da USP e era impensável estudantes dos cursinhos populares almoçarem no bandejão. E, hoje, a Uneafro vai almoçar no bandejão”, conta Adriana emocionada. 

A especialista em educação ainda reitera a importância histórica do movimento negro para a população brasileira. “A educação do nosso povo é nossa responsabilidade e sempre foi desde as irmandades negras, então, somos nós, com um governo popular e democrático, que temos que organizar nossas propostas, articular as estratégias e sentarmos com pessoas como a professora Zara, como o Ministro Camilo Santana e colocarmos as nossas reivindicações. É isso o que temos que fazer em um momento de democracia, fortalecer os espaços de participação popular e colocar as nossas propostas. E a nossa proposta é que o povo negro fique vivo e a estratégia fundamental é estar nos bancos das escolas, mas não das escolas como elas estão articuladas hoje, as escolas precisam ser transformadas e, pra isso, a educação das relações étnico-raciais precisam ser priorizadas no sistema nacional de educação”, conclui Adriana Moreira.

Depois do almoço no bandejão, houve a entrega da segunda edição do Prêmio Marielle Franco de Direitos Humanos e a terceira das premiações da Uneafro. A ideia do prêmio é de reconhecer os trabalhos internos e as parcerias fundamentais na construção de uma sociedade justa, democrática e antirracista. 

Neste ano, a Uneafro teve a honra de homenagear os núcleos que promoveram diversas ações na Pandemia, como os programas das agentes populares de saúde, a Campanha Tem Gente com Fome, entre outras atividades essenciais para os nossos estudantes. Os núcleo premiados em 2023 foram:

  • Núcleo Uneafro Pagode na Disciplina
  • Núcleo Mabel Assis 
  • Núcleo Tia Jura 
  • Núcleo Marielle Franco 
  • Núcleo 11 de Agosto 
  • Núcleo Ilda Martins 
  • Núcleo Quilombaque 
  • Núcleo Conceição Evaristo
  • Núcleo Virtual 
  • Núcleo Articulação Indígena
  • Núcleo Rosa Parks

No final desse dia histórico, a produção da Uneafro juntou as centenas de estudantes reunidos na USP para o Festival Cultural, um momento de interação e diversão que abriu espaço para um sarau aberto para as intervenções artísticas dos estudantes da Uneafro Brasil. O momento contou com a participação do poeta Sérgio Vaz, Jairo Periafricania, MC DG, DJ Esteves e Brisa Flow. 

Veja o álbum com todas as fotos no Flickr.

por Mayara Nunes e Patrícia Toni

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