Fernando Henrique Cardoso, recentemente, disse que o PSDB deveria ouvir o povo.

O PT, em parte, fez isso -embora limitado pela aliança com setores reacionários. Após o Bolsa Família, lançou um louvável programa de cotas para as universidades federais.

Buscando superar o governo federal, o paulista anunciou programa de cotas para as suas impenetráveis, ao povo, universidades estaduais.

Segundo a Folha (“Cotidiano”, 21/12/12): “Para atingir a meta de 50% (de vagas destinadas a negros e pobres), o projeto prevê duas ações. A primeira é a criação de curso preparatório semipresencial, de dois anos (…). Ao final do curso, chamado de ‘college’, o aluno com o equivalente à nota 7 receberá um diploma superior. Quem quiser seguir os estudos poderá entrar nos cursos de graduação, sem vestibular”.

De forma elitizada, diz que negros e pobres somente podem fazer o curso desejado se considerados, com um esforço suplementar não requerido dos demais, suficientemente merecedores.

Em geral, a elite paulista considera que merecem os provenientes de seu seio: jovens brancos, oriundos dos melhores colégios privados. Certamente que, entre pobres e negros, há pessoas que têm mais méritos. Alijados, em especial na perspectiva racial, não acessam os meios adequados para provar suas qualidades.

Na meritocracia, se vista com honestidade, os mais capazes, excluídos face à sua condição econômica ou racial, devem ser contemplados com mecanismos que os coloquem em igualdade na disputa. É a velha máxima de se tratar os desiguais na medida da sua desigualdade como forma de se alcançar a justiça. Isso se dá em qualquer ação afirmativa.

O projeto, quando reserva um número de vagas para negros e pobres, vai neste sentido. Já, ao impingir um ônus (mostrar, após um determinado curso específico, que estão aptos), afasta-se do propósito. Reconhece uma diferença, para, de forma discriminatória, estabelecer um empecilho ou conceber um diplomado menos qualificado. Ao excluir, discriminando negativamente, fere a Constituição.

O certo seria promover o ingresso e, depois, dar acompanhamento aos que dele necessitarem. Pela fragilidade de sua situação, muitos terão dificuldade de completar o “college” e ainda ficar mais anos para realizar o curso que pretendiam. Vários se tornarão diplomados subqualificados, sem qualquer condição no mercado.

Tudo com a possibilidade de que as vagas não preenchidas retornem para os concorrentes gerais -ou seja, como hoje, a inclusão será mais retórica do que fática.

O projeto não atende ainda às vozes provenientes das ruas.

Após rumores de qual seria o modelo adotado, a sociedade civil organizada se posicionou contrariamente por meio de manifesto da Frente Pró-Cotas de São Paulo. O documento, disponível na internet, foi apresentado ao governo estadual, sendo que conta com a assinatura de mais de cem entidades e de vários professores das universidades estaduais paulistas, dentre outros.

Ali se encontram a insatisfação com a proposta e a solução do problema, indicadas pelos movimentos e atores sociais.

É interessante constatar, por fim, que se fere a autonomia universitária. Ao anunciar pela imprensa modelo já acabado, o governo conta que certamente será aprovado pelas instâncias universitárias. Admitida tal premissa, percebe-se a fragilidade dessa autonomia, já que submetida à vontade do Executivo.

Dando as costas, sobretudo, ao povo de São Paulo, o governo paulista manteve a proposta nos moldes elitistas em que foi inicialmente anunciada. Não deu ouvidos ao povo, concebendo arremedo, inconstitucional, de inclusão social.

*MARCUS ORIONE, 48, doutor e livre-docente, é professor do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP

Fonte: Publicado originalmente na coluna Tendências e Debates, da Folha de SP em 12/01/2013

 

 

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