A vítima auxiliava na cozinha do projeto que está em estado de ocupação cultural por ser ameaçado de despejo pela prefeitura da cidade
Um homem negro de 56 anos, ativista do Projeto Meninos e Meninas de Rua, iniciativa que existe em São Bernardo do Campo há mais de 30 anos auxiliando crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, foi baleado na cabeça na madrugada do último domingo, dia 24 de outubro.
Após uma semana alocado na ocupação cultural do projeto, que resiste desde o início de outubro à ação de despejo emitida pelo prefeito Orlando Morando (PSDB), o homem, que não será identificado para proteger sua integridade física e identidade, caminhava em direção a sua residência quando foi atingido por um tiro. A bala acertou a aba do seu boné e perfurou a parte de trás de sua caixa craniana.
Ele foi levado às pressas ao hospital para uma cirurgia de urgência para a retirada do projétil e seu estado de saúde se mantém estável, respondendo consciente aos estímulos do tratamento médico.
Segundo o advogado que acompanha o caso, Cleiton Coutinho, o caso foi para o 1° Distrito Policial de São Bernardo do Campo. “Para apoiar a investigação, a defesa está solicitando à justiça as imagens das câmeras de segurança, a perícia técnica do local do disparo, a oitiva das testemunhas, que terão igualmente suas identidades protegidas como aponta a Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas, e o prontuário médico completo da vítima”, aponta.
A classificação do boletim de ocorrência está como tentativa de homicídio, mas com autoria desconhecida e, além disso, nele, também não há informações sobre a bala coletada, o que pode trazer mais entendimento sobre a materialidade do objeto do crime. Após a reunião dessas informações, será solicitada às autoridades responsáveis a instauração de um inquérito sobre o crime.
“Exigimos a investigação completa do caso, assim como deve acontecer em qualquer situação. Mas não podemos esquecer que se trata de uma tentativa de homicídio contra um militante que está fortalecendo um projeto que é constantemente alvo de ataques. Se for comprovado que o tiro foi acidental, sem a intenção de matar, ainda existe o crime de disparo em via pública que precisa ser responsabilizado”, completa Coutinho.
O Projeto Meninos e Meninas de Rua existe em São Bernardo do Campo desde 1989, ocupando o imóvel que pertence à prefeitura. A iniciativa proporciona suporte assistencial, educacional e cultural para crianças e adolescentes que precisam desse auxílio há três décadas e abarca também o Núcleo Marielle Franco, da Uneafro Brasil. Na pandemia, ativistas têm intensificado o trabalho com entregas de cestas básicas para as famílias da comunidade e feito atividades político-culturais com restrições.
Atualmente, cerca de 300 famílias são beneficiadas e esse foi o principal argumento para suspender a primeira ordem de despejo enviada ao coletivo em julho. No entanto, a juíza responsável pela decisão resolveu autorizar o despejo.
A ocupação político-cultural do projeto resiste, desde então, e recebe militantes que fortalecem a iniciativa, como o caso do homem, cozinheiro e militante, vítima do disparo no último domingo. Artistas, parlamentares e lideranças de movimentos sociais também apoiam a permanência do projeto.
Ao Jornal Brasil de Fato, Neia Bueno, integrante da coordenação do projeto, conta que o PMMR tentou negociar com o prefeito da cidade, sem sucesso. “A gente tentou conversar com ele no começo do ano, mandamos ofício, tentamos conversar sobre o espaço. E ele simplesmente se recusou”.
Bueno denuncia que o despejo tem caráter político e ilustra a perseguição que o atual prefeito empreende contra os movimentos populares. Além disso, ela também reforça que há um interesse da especulação imobiliária pela região.
Para Markinhus Souza, coordenador do projeto, essa “é uma ordem de motivação política, porque no segundo semestre de 2020, nós tivemos uma roda de conversa, nós assumimos um compromisso e a prefeitura assumiu o compromisso de divulgar o relatório que apresentamos a eles com todo o processo. E durante os meses seguintes, nós iríamos promover rodas de diálogo para encontrar uma saída boa e fortalecer nossa organização aqui na cidade. Isso não aconteceu”, declarou Markinhus Souza, da coordenação do projeto.
Sobre o crime contra o ativista, Markinhus aponta a urgência da resolução do ocorrido. “Queremos estar a par sobre todos os detalhes da investigação. Quem é a equipe que investiga o caso, quando ela começou, qual foi a motivação do crime e quem são os responsáveis pelo atentado que vitimou o militante que luta aqui conosco contra o despejo são questões que precisam ser respondidas”, finaliza.