Jeanne Vittor, “Jee”, como é conhecida pelos alunos, tem 23 anos, é professora de Geografia do Brasil no Núcleo Virtual da Uneafro Brasil e Estudante de Bacharel em Geografia na Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD. Atua como ativista e pesquisadora do racismo ambiental e é diretora de permanência do Diretório Central dos e das Estudantes da UFGD.
1 – Como você conheceu a Uneafro?
Meu processo de introdução na Uneafro se deu através do cursinho Mabel Assis, em Guarulhos, pelo coordenador Maurício D’ Melo. E através das reuniões com o cursinho, eu soube do Núcleo Virtual e vi que era um espaço onde eu poderia desenvolver a minha vontade de atuar na educação popular, mesmo à distância, pois, hoje, vivo no Centro-Oeste. Comecei a atuar no início de 2021.
2 – Como está sendo a sua experiência?
Para mim, está sendo uma experiência muito gostosa de compartilhar e ser construída, essa relação com os e as alunas é muito acolhedora, sou uma das professoras preferidas deles.
Acredito que essa vontade que tenho vem da minha relação de recém-saída de um cursinho popular, isso, para mim, ainda é muito presente, então, tudo o que eu passei naquela época, hoje, eu tento ensinar a eles. O Núcleo Virtual me deu uma revigorada durante a pandemia.
3 – Como está sendo para você conciliar os estudos, pesquisa acadêmica e aulas no Núcleo?
Eu tenho visto de maneira positiva, a qualidade das aulas sempre coloco em primeiro lugar. Eu aprendo na Universidade e já encaminho para os e as alunas. Se eu ainda não tive a matéria que vou ensinar, eu vou atrás para aprender e, nesse processo, também me preparo para a Universidade.
O ensino remoto da minha própria graduação, que são 7 disciplinas, e a preparação para o COPENE ocupam uma parte do tempo, mas sempre consigo desenvolver as aulas nos finais de semana.
Acompanho bem de perto a vida dos estudantes, e isso tem sido prioridade para mim por entender a importância de outras Jeannes que vão sair da Uneafro estarem nesse lugar que eu estou hoje.
4 – Qual você acha que é o principal impacto do racismo ambiental na vida da população negra?
Eu vejo duas questões muito importantes que se relacionam com o racismo ambiental na pandemia, são elas: o desmatamento e a ausência de saneamento básico. O racismo ambiental é uma acentuação do racismo estrutural que a gente já conhece. Então, analisamos o processo de injustiças ambientais e tratamos elas sob uma ótica racializada. Prefiro ainda usar o termo “Racismo Socioambiental”, por também envolver as relações sociais que se perpetuam nessa relação com os espaços.
Desde o ano passado, a gente tem visto o desmatamento que afeta diretamente a vida de pessoas que sobrevivem dos biomas, tanto na questão da moradia, com a desapropriação dos espaços, principalmente dos povos pretos, das periferias, dos quilombos, dos assentamentos; quanto na questão da sua garantia de alimento e renda. Ao serem afastadas, expulsas ou perderem suas terras, essas pessoas não têm, muitas vezes, como sobreviver.
A segunda questão, que é a do acesso ao saneamento, é uma das principais questões do racismo ambiental. Com a chegada da pandemia, a gente vê de maneira ainda mais preocupante esse sofrimento. Um dos principais cuidados que a gente tem que ter na pandemia é o da higiene que depende do acesso direto à água. Água que usamos para comer, para lavar as mãos, lavar as roupas, as máscaras, e a gente está falando de uma população que ainda não tem acesso. Ainda hoje, na cidade de São Paulo, existem pessoas que não têm acesso à água potável e à rede de esgoto. Se eu for analisar a cor dessas pessoas, posso te garantir que a maioria são pessoas pretas.
5 – Enquanto pesquisadora acadêmica, como você observa o desmonte feito no Ensino Superior?
O impacto é semelhante ao racismo ambiental, esse desgoverno fala de descontingenciamento, mas todo mundo sabe que são cortes. Em 2016, a bolsa de pesquisa oferecida era de R$ 400 e, hoje, em 2021, essa bolsa ainda continua sendo de R$ 400. O que me desmotiva é a falta de credibilidade e investimento na ciência. A questão das bolsas é muito complicada, eu não tenho remuneração nenhuma e luto para me manter nela porque sei do impacto que a minha graduação tem enquanto retorno para a sociedade.
Quando a gente pega os 3 pilares da Educação Superior: o ensino, a extensão e a pesquisa, eu cumpro todos esses quesitos. Quando analiso a minha graduação em relação ao ensino, eu estou na cobrança da qualidade do que é ofertado e do cumprimento do calendário na minha Universidade; já na extensão, o retorno que eu entrego para a sociedade é o de passar para frente todos os meus conhecimentos sobre racismo ambiental, ensino de maneira acessível, menos acadêmica, desenvolvo aulas através de lives, rodas de conversa; e, por fim, na realização da pesquisa, que é tão importante, mas que é a parte que mais me desgasta, é algo que tem muito valor para o país, porém, não tenho investimento de bolsas em minha pesquisa e, durante muito tempo, fiquei sem orientação nenhuma. Esse é o cenário de lutar em meio às adversidades e, ainda sim, querer dar um retorno para a sociedade.
6 – Quais são os outros impactos da ausência de investimento em pesquisa?
Mesmo com uma pandemia, uma grave crise de saúde, as pessoas não conseguem enxergar a necessidade de investimento em pesquisa. Não só sobre as causas, mas sobre a prevenção também. Investir em pesquisa é investir em nossas cidades, é investir no planejamento urbano, na melhora da qualidade de vida. São essas coisas que vão proporcionar cada vez mais trabalhos que possam contribuir com a sociedade.
7 – Como a sua identidade influencia nesse processo de troca de aprendizados?
Um dos momentos mais especiais desse processo de aprendizado eu vivenciei aqui na Uneafro quando um aluno que até então utilizava o seu nome civil feminino, mas que conversava comigo sobre questões de transição. Então, essa interação veio através do meio de um processo de aprendizagem, isso, para mim, é muito valoroso. Se ele se vê em mim, em um espaço de educação, como professora, é algo muito importante. Se eu não puder ter essa representatividade na minha universidade, que eu me torne ela. E esse aluno me mostrou muito dessa representatividade que eu sempre busquei nesse processo.
8 – Qual recado você daria para os seus alunos que estão passando por dificuldade nos estudos nesse momento?
Uma pessoa preta e periférica nunca entra na universidade sozinha, ela leva consigo a história de tantas outras pessoas junto. Os meus alunos e alunas vão levar com eles suas histórias e suas construções, vocês não estão sozinhas e sozinhos. O corpo de vocês é uma extensão de todo mundo que não conseguiu chegar até lá.
Por: Caio Chagas