Por: Caio Chagas
Desde o anúncio da suspensão das aulas presenciais na rede pública, ativistas e educadores se mobilizaram para o adiamento da prova e para oferecer condições mínimas de aprendizado para estudantes da rede pública e de cursinhos populares. No dia 08 de janeiro, a Defensoria Pública da União (DPU) pediu à 12ª Vara Cível da Subseção Judiciária de São Paulo o adiamento das provas do Enem agendadas para 17 e 24 de janeiro de 2021, alegando a alta probabilidade de contaminação dos inscritos desde o deslocamento até os locais de aplicação da prova e de permanência nas salas por mais de 5 horas. O pedido nacional foi negado pela Justiça, que acolheu os argumentos do Inep, de que estaria seguindo os protocolos de biossegurança. Para Adriano Sousa, coordenador da Uneafro e integrante do coletivo de memória CPDOC Guaianás, houve ausência do Estado na elaboração de medidas de segurança para os participantes do exame. “Não se pensou em nada. As provas poderiam ter sido concentradas em um único dia, fazer rodízio de inscritos, um esquema de transporte ou uma prorrogação”.
Micheli Nogueira é aluna da Uneafro Brasil no Núcleo Quilombaque. Ela prestou o Enem 2020 para buscar uma bolsa na USP nos cursos de Letras, Serviço Social ou Psicologia. Este ano, sem a possibilidade de estudar no cursinho presencialmente, participou do Núcleo Virtual da Uneafro. “Tive muitas dificuldades! Teve dias que eu não tinha internet, ou estava com outras preocupações como a falta de dinheiro, comida e o isolamento social”. Ela relatou também a importância do apoio recebido pelo movimento. “Tive atendimento psicológico gratuito e apoio de alunos e professores do Quilombaque”. Adriano considera a prova deste ano como uma das mais desiguais da história: “Os estudantes da periferia, além de terem acesso limitado ao 4G, também têm aparelhos com menor capacidade de processamento; além de terem que lidar com desemprego, cuidar dos irmãos, não podendo se concentrar nos estudos”.
A prova foi dividida em dois dias, no dia 17 de janeiro, foram aplicadas 45 questões objetivas de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (Língua Portuguesa, Literatura, Educação Física, Artes e Língua Estrangeira), 45 questões de Ciências Humanas e suas Tecnologias (Filosofia, Geografia, História e Sociologia) e a Redação, com o tema “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira”. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais mostram a abstinência recorde, dos 5.523.029 candidatos inscritos, 51,5% não compareceram no primeiro dia da prova.
O Ministro da Educação, Milton Ribeiro, classificou o primeiro dia de provas deste ano como um “Sucesso”. Para Sousa, a fala do Ministro reflete um sucesso para um grupo limitado de pessoas. “Se foi para impedir o acesso da população negra, pobre e periférica nas universidades públicas, esse sistema foi muito bem sucedido. Muitos desistiram no meio do ano, por falta de condições mínimas para levar os estudos adiante e também devido à situação de vulnerabilidade”. Além da maior taxa de abstenção da história, apesar do adiamento para janeiro de 2021, o Exame Nacional Do Ensino Médio de 2020 teve sua aplicação suspensa em 58 cidades do Amazonas e de Rondônia, devido ao colapso do sistema de saúde na região norte do país. Em alguns locais de prova, candidatos reclamaram que não conseguiram entrar porque a lotação máxima havia sido atingida. Estudantes nessas condições relataram que não receberam qualquer documento para a reaplicação. Micheli relatou que sentiu um pouco de medo de que pudesse haver aglomeração, mas que, ao adentrar no local de aplicação de seu exame, encontrou muitas ausências.
Querendo cursar Biologia Marinha, Rafaela Vieira Souto disse que ficou muito preocupada com sua saúde ao fazer o exame. “Sou do grupo de risco. Fiquei com medo e nem comi durante a prova, pois haviam irregularidades por parte dos aplicadores e principalmente dos alunos”. Rafaela é aluna do Núcleo Uneafro Ilda Martins, no extremo leste de São Paulo. “Foi um grande desafio me preparar para o Enem, para absorver os ensinamentos dados pelos professores da Uneafro, era difícil usar o método de ensino à distância, ainda mais com uma filha de um ano de idade”.
No dia 24, segundo dia de aplicação, foi a vez dos participantes responderem às 45 questões de Matemática e suas Tecnologias e 45 de Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Foram 55,3% de índice de ausência. O Ministro da Educação surpreendeu a todos e disse que a previsão de abstenção do Exame Nacional do Ensino Médio foi acertada, e afirmou: “Imagine se o Inep tivesse contratado tudo (salas para todos os estudantes)?”, complementou ainda. “O valor do dinheiro público que haveríamos de usar”. O número de alunos, segundo fiscais da prova e alunos, foi ainda menor do que no dia 17. Além do alto número de abstenções, mais de 13 mil alunos, em todo o país, não compareceram ao exame por apresentarem algum sintoma de COVID-19. O Inep permitiu que os alunos com laudos médicos comprovando o estado de saúde poderão fazer a prova nos dias 23 e 24 de fevereiro. Por meio de um comunicado oficial, o Instituto afirmou que receberá os pedidos entre 25 e 29 de janeiro. Após a data estabelecida, não será possível organizar a logística para a reaplicação.
“Se os alunos tivessem sido consultados de uma maneira real, a proposta para que a prova fosse realizada em maio de 2021 teria prosperado”, alegou o Coordenador do Núcleo Luísa Mahim, em São José dos Campos, Claudinei Corrêa. Para ele, teria dado muito mais tempo para os jovens se prepararem, “sem contar que poderíamos ter uma taxa de vacinação maior, é nítido como a pandemia acentuou ainda mais as desigualdades”. Os alunos do Núcleo em que Claudinei atua receberam a orientação de usarem máscaras, lavarem as mãos e manterem o isolamento no local de prova, porém, a realidade relatada por eles foi bem diferente, relatou o coordenador. “Foi bem desorganizado, teve confusão de endereços no aplicativo da prova, que deixou estudantes perdidos e muitos acabaram perdendo o exame, outros relataram superlotação das salas de aula”.
Os coordenadores da Uneafro veem com preocupação a aplicação da política de cotas no Enem 2020 devido à desigualdade encontrada pelos alunos negros das periferias. “O que o governo fez acaba por inviabilizar a entrada dos nossos no ensino superior e está sendo vitorioso nesse aspecto. As cotas que eles tentaram revogar estão conseguindo impedir sua aplicação com a desigualdade da prova”, afirmou Adriano Souza. Concluindo, Claudinei Corrêa falou sobre as dificuldades de acesso à universidade por estudantes negros e de baixa renda. “A quebrada não teve nenhuma estrutura criada pelo Governo Federal para garantir o mínimo de dignidade de educação nesse momento de pandemia. Dentro desse cenário de crise política, econômica e de saúde, os cotistas foram os mais atingidos”.