Tema está na pauta da semana na corte, onde ministros vão julgar legalidade de provas apresentadas após revistas policiais sem justificativa
Nesta quarta-feira (1°), o Supremo Tribunal Federal (STF) deve votar no plenário um habeas corpus com dimensão coletiva sobre abordagens policiais feitas sem critérios objetivos ou baseadas apenas na cor da pele, o chamado perfilamento racial. Para reforçar a análise dos ministros, oito organizações de direitos humanos protocolaram um memorial com petição argumentando que a prática, da forma como acontece hoje, é discriminatória. Coalizão Negra por Direitos, Conectas Direitos Humanos, Educafro Brasil, Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Instituto de Referência Negra Peregum, Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC) e Plataforma JUSTA pedem aos magistrados que reconheçam a inexistência do crime diante da ilegalidade de provas derivadas de busca pessoal realizada com base em filtragem racial.
A origem do pedido diz respeito a um habeas corpus apresentado pela Defensoria Pública de São Paulo sobre o caso específico de um crime com provas derivadas de busca por agentes do Estado justificada exclusivamente pela chamada ‘fundada suspeita’, conceito vago que abre espaço inclusive para que critérios racistas sejam usados na seleção de quem será abordado nas ruas. No documento, o grupo destaca que o réu, condenado em primeira instância e no STJ por tráfico ao portar 1,53 gramas de droga, foi abordado e revistado pelos policiais porque era negro. “E não estamos diante de algo que o Judiciário depois supôs, mas que foi antes confessado pelos próprios agentes policiais”, reforça o texto.
As organizações foram incluídas no processo como amici curiae (amigos da corte) pelo relator do caso, ministro Edson Fachin, e lembram que, apesar de partir de um caso individual, a discussão tem dimensão coletiva. “Isso porque tem como escopo enfrentar a violação sistemática e estrutural de direitos fundamentais que ocorre por meio do uso de perfis raciais na abordagem policial e na privação de liberdade”, principalmente de pessoas negras. Com isso, agentes do Estado reproduzem racismo institucional que evidencia uma estrutura de manutenção das desigualdades ancoradas em hierarquias raciais.
Perfilamento racial
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o perfilamento racial é “o uso pela polícia, profissionais de segurança e controle das fronteiras no uso da raça, cor, descendência, etnicidade ou nacionalidade de uma pessoa como parâmetro para submetê-la a buscas pessoais minuciosas, verificações de identidade e investigações”. A própria ONU identificou em um relatório publicado em 2020 que, no Brasil, há “uma sobre-representação de brasileiros afrodescendentes no sistema carcerário, e uma cultura de perfilamento e discriminação racial em todos os níveis do sistema de justiça”.
Essa prática no Brasil tem íntima conexão com o histórico de escravização da população afrodescendente que, desde a abolição formal, tem sido o principal alvo da vigilância policial. Um dos graves resultados dessa lógica é o encarceramento em massa da população negra, a correlação com a letalidade policial, que atinge o mesmo grupo, além da forma com que as abordagens são constituídas no âmbito da segurança pública, tendo como alvo pessoas negras, pobres e periféricas.
Um levantamento feito pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e o data_labe em São Paulo e no Rio de Janeiro, publicado em 2022, apontou que ser negro nos dois estados significa ter risco 4,5 vezes maior de sofrer uma abordagem policial, em comparação com uma pessoa branca. A pesquisa “Por que eu?” indicou também que os negros tiveram sua raça/cor expressamente mencionada por agentes de segurança pública durante as abordagens em proporção muito maior: 46% ante 7% dos brancos.
De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, o Brasil tem 820.689 pessoas presas, sendo que 67,4% são negras. Na prática, a raça tem sido o principal marcador para que pessoas negras sejam criminalizadas pelo Sistema de Justiça Criminal, em um primeiro momento na abordagem policial e, mais tarde, nas decisões judiciais.
Os autores do documento entregue ao Supremo Tribunal Federal lembram que a própria corte já tem assumido um importante papel na concretização das diretrizes constitucionais e internacionais de combate ao racismo e a todas as formas de discriminação racial. A posição se demonstra em diversos precedentes, como o habeas corpus que reconheceu que o crime de injúria racial configura forma de racismo; a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental que garantiu políticas públicas voltadas a ampliar o acesso ao ensino superior; e a ação que determinou a criação de um plano de redução da letalidade policial no estado do Rio de Janeiro para garantir o direito à vida nas favelas.
No memorial, as entidades reforçam que, “caso o tribunal reconheça a inexistência da materialidade do crime em face da ilicitude das provas derivadas de busca pessoal realizada com base em filtragem racial, novamente concretizará relevante diretriz sobre o tema”. E completam: “Importante ter em vista que a decisão pode ser fundamental para a redução das desigualdades raciais produzidas no âmbito do sistema de justiça criminal no Brasil. Tem-se aqui uma oportunidade de reforço aos precedentes desta Corte no fortalecimento da democracia.”
Representantes de todas as entidades envolvidas estão disponíveis para entrevista
Contatos para a imprensa:
- Adriana Caitano (Plataforma JUSTA) – 61-98172-0764 / [email protected]
- Laura Luz (ITTC) – [email protected] / 11 944736243
- Luiz Soares (Instituto de Referência Negra Peregum) – [email protected] / 11-95991-4623
- Thiago Ansel (Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD) – [email protected] / 21 995455647
- Luiza Buchaul (Conectas Direitos Humanos): [email protected] / 11 99343‑0669