Finalmente a questão de gênero (masculino/feminino) se coloca às claras na campanha eleitoral. Agora, não é preciso ser analista político ou jornalista e procurar nas entrelinhas, é só querer ver. Desde ontem, José Serra veicula um comercial na televisão que mostra um ator dentro de uma lojinha de brinquedos. O ator diz: “na única vez em que Dilma não teve patrão, ela foi dona dessa lojinha de brinquedos. E sabe o que aconteceu? A lojinha fechou”.
Uma mulher não dá conta nem mesmo de uma lojinha de brinquedos se não tiver um homem por trás (o patrão). É isso o que diz o comercial. Não é a toa que Serra tem o apoio dos segmentos mais reacionários e atrasados de algumas igrejas (minoria, mas que faz barulho), que ensina o equivalente a isso: a mulher não é ninguém sem o marido, e, ainda hoje, exortam as meninas a se casarem muito cedo, abandonando os estudos e os sonhos de carreira.
Mas, a propaganda não para por aí. O narrador, com voz gutural e assustadora, sentencia: “Ela não vai dar conta”. Em outras palavras: “uma mulher não vai conseguir governar”. Nem Collor, que era um ilustre desconhecido, playboy do Jet-sky dos marajás de Alagoas, recebeu esse veredicto: “Ele não vai dar conta”.
Economista, Dilma Rouseff, como ministra de Minas e Energia, ocupou um cargo altamente técnico, para o qual se exige plena capacitação. Como ministra-chefe da Casa Civil, era responsável pela articulação das atividades de todos os ministérios. Não é, naturalmente, a capacidade de Dilma que está sendo colocada em xeque, mas, sim, como teria plena capacidade na sua condição de mulher.
Os homens brasileiros matam dez mulheres por dia na pancada. Outras tantas ficam mutiladas, queimadas e aleijadas. Todos os dias. Os salários – para a mesma função – são 30% menores, mesmo quando a mulher tem mais escolaridade. As jornadas diárias de trabalho são maiores. E o Senhor José traz mais essa colaboração para a desconstrução de uma cultura arcaica e infeliz de desigualdades.
Felizmente, são só laranjas podres. Dilma tem maioria de votos entre os homens e empata com Serra entre as mulheres (pesquisa Data Folha de 14 e 15 de outubro).
É. Realmente é muito doloroso para parte dos homens aceitar que a inteligência não reside em duas cabeças. Ela só precisa de uma. Freud explica.
Angela Thalassa