O teto de gastos de 44 bilhões para o financiamento do novo auxílio emergencial é o horizonte proposto no texto aprovado da PEC 186, intitulada de PEC emergencial, na noite desta sexta-feira (12), no Congresso Nacional, e indica que 68,2% da população brasileira que utilizava o auxílio para comprar comida no ano anterior pode passar fome com a nova aprovação que corresponde a 7 vezes menos do que foi distribuído no ano passado. De maneira chantagista, a PEC se restringe a ajustes fiscais e cortes no investimento de políticas sociais, indicando a expressão máxima do projeto político neoliberal do governo Bolsonaro: se quer políticas de reparação, outros direitos serão retirados. Segundo dados da campanha Renda Básica Que Queremos, frente que agrupa 270 organizações e redes, 1 em cada 4 pessoas que estão em situação de vulnerabilidade socioeconômica não serão beneficiadas.

A questão é que estamos vivendo a maior crise sanitária e econômica desde o começo da pandemia. Nesta terça-feira (17), o Brasil registrou 2.798 mortes por Covid-19 como novo recorde em 24 horas e o país continua na mira de retornar a índices abaixo da linha da pobreza. Com a nova variante, os casos também têm sido alarmantes entre os jovens e apontam aumento de contágio entre crianças.

Esse cenário aprofunda as desigualdades e precariza a vida, dentre outros grupos, das juventudes entre 15 e 29 anos de idade, que segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD somatizam 47,3 milhões do total de pessoas da população brasileira, mas raramente estão nas prioridades da agenda pública. As negligências estatais se tornam ainda mais latentes aos jovens de periferia, sendo eles em sua maioria negros. A cada 23 minutos, um jovem negro morre nas favelas do Brasil e essa estatística não decaiu durante a pandemia, pelo contrário, o Rio de Janeiro contabilizou mais de 12 crianças mortas por bala de fogo em 2020. O genocídio também é um projeto para as crianças negras e periféricas. Os Racionais MC’s já cantavam a letra na década de 90: “Crianças vão nascendo em condições bem precárias, se desenvolvendo sem a paz necessária”.

Entregadores de aplicativos, trabalhadores informais, desempregados, precocemente mães e pais, provedores de famílias, sem incentivo de estudo e sem acesso à cultura. Num país onde o custo médio da cesta básica é de R$ 631,64, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, a proposta de Guedes e Bolsonaro para retorno do auxílio emergencial é de R$ 250, tão precária quanto às condições econômicas que a juventude se encontra. O DIEESE ainda mostrou que, para cada 1 real que foi recebido pelas pessoas no auxílio, houve o retorno de R$ 178 para o PIB brasileiro. Por isso, a Uneafro Brasil também se junta à campanha Renda Básica Que Queremos pelos R$600 até o fim da pandemia.

E é nesse contexto que o capital encontra ambiente propício: se organiza para culpabilizar a própria juventude por estar fora do mercado de trabalho e das instituições educacionais. Os denominados “Nem Nem”, “nem” estuda e “nem” trabalha, são, na realidade, a expressão do que o funcionamento do neoliberalismo chama de populações excedentes, através dos quais o sistema econômico se organiza para criação de processos desfavoráveis: produz precarização para condicionar a juventude a postos ultraprecarizados de trabalho.

A “uberização” das relações trabalhistas é esse modelo de exploração da mão de obra por parte de um seleto, porém grande empresariado detentor do mercado de aplicativos e plataformas digitais, onde esses não possuem obrigações e/ou responsabilidades com o que denominam de “parceiros cadastrados”. Em contrapartida, o tráfico e uso de drogas ilícitas ou não também são uma realidade.

O aumento do número de tabacarias e adegas, pelo fácil acesso por aplicativo, também é um fenômeno intensificado pela pandemia e que traz facilidade de acesso ao consumo de bebidas alcoólicas dentre os jovens. Se antes, todas essas condições aumentavam a falta de perspectiva na construção do futuro, hoje, é possível afirmar que os sonhos da juventude negra estão sufocados na informalidade da ausência de vínculos empregatícios e na falta de subsídios materiais e psicológicos.

O auxílio emergencial precisa ser ao menos suficiente para alimentar as famílias pretas e periféricas e é o primeiro passo para a retomada da humanidade do brasileiro. Djonga manda a letra quando diz “Mas arroz, feijão e carinho é o prato do povo”, e a Coalizão Negra Por Direitos, que reúne mais de 200 organizações do movimento negro, compreende bem o recado, respondendo com o lançamento da campanha “Se tem gente com fome, dá de comer!”, versando o poeta Solano Trindade, com o objetivo de arrecadar fundos emergenciais para ações de enfrentamento à fome, à miséria e à violência na pandemia de Covid-19.

Importante também ressaltar que, mesmo em meio a condições altamente desfavoráveis, a juventude negra e periférica vem construindo espaços para reconstruir condições objetivas e subjetivas de suas vidas. As batalhas de rap, dubs, bailes funk, slams, saraus e outras expressões artísticas, são espaços de resistência e diversão articulados por esses, em tentativas expressas de ressignificar o cenário caótico e com poucas perspectivas criado por essa estrutura de opressões. “Desenrola nas palavras”, como canta a MC Dricka, vem sendo uma tática de luta contra esse sistema econômico, que nos obriga a ir “se virando”. Auxílio emergencial digno e até o final da pandemia é questão de vida para nós, sobreviver não nos basta, queremos nossa barriga cheia, a mente alimentada e uma “revoada” de prosperidade nas quebradas.

Foto: Phelipe Nunes

 

Caio Chagas – Jornalista e comunicador da Uneafro Brasil e Coalizão Negra Por Direitos.

Débora Dias – Estudante de ciências sociais na UNIFESP, covereadora da Mandata Coletiva Quilombo Periférico e militante da Uneafro Brasil.

Fabiola Ramos – Estudante de publicidade e propaganda e articuladora do núcleo da Uneafro Brasil de Mogi das Cruzes.

Isabella Quintiliano – Estudante de jornalismo na UNIPAMPA e educadora no núcleo Laura Vermont.

Jéssica Ferreira – Estudante de políticas públicas na UFABC e articuladora política na Uneafro Brasil e no Instituto de Referência Negra Peregum.

Rodrigo de Araújo – Estudante de licenciatura em ciências e professor da Uneafro Brasil no núcleo “A educação liberta”, em Itaquaquecetuba.

Stephanie Felicio – Educadora do Cedeca Sapopemba, coordenadora e estudante da Uneafro Brasil no Núcleo Dona Nazinha, em Sapopemba.

Victória Alves – Estudante e coordenadora da Uneafro Brasil no núcleo “A Educação Liberta”, em Itaquaquecetuba.

**Os autores e o fotógrafo fazem parte da construção do Coletivo da Juventude da Uneafro Brasil, organização do movimento negro que luta pela emancipação do povo preto através da educação popular.

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